STF destrava concessões lotéricas: um mesmo grupo poderá operar loterias estaduais

Corte libera atuação multiestadual e publicidade nacional para loterias estaduais, mudando modelagens e competição

Compartilhe este conteúdo

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as loterias estaduais podem ser operadas por um mesmo grupo econômico em mais de um estado. O Tribunal também afastou a limitação que proibia campanhas com alcance nacional para esses serviços. Trata-se de uma virada relevante para estados que estudam ou já conduzem concessões/PPPs lotéricas e para investidores que buscam escala, eficiência e marca única no território brasileiro.

O que efetivamente mudou? Caiu a vedação incluída na lei federal das loterias que impedia um mesmo grupo de obter concessões em unidades distintas da Federação, e foi derrubada a restrição à “publicidade” para além do território do estado outorgante. Permanecem, contudo, as balizas constitucionais e legais: a comercialização do produto lotérico estadual continua limitada ao respectivo território e não houve extensão automática da decisão para a modalidade de apostas de quota fixa (as “bets”), que segue discutida em outro processo. Em síntese, atuação multiestadual e publicidade nacional foram liberadas; oferta e venda continuam locais.

Por que isso importa? Em um mercado cuja modernização depende de tecnologia, prevenção à lavagem de dinheiro, jogo responsável e combate a fraudes, a possibilidade de uma mesma operadora atuar em vários estados cria sinergias diretas: plataformas únicas, integração de meios de pagamento, certificações e processos de compliance replicáveis, além de custos operacionais diluídos. Para os estados, a concorrência tende a ser mais qualificada — e não isolada pelos “limites do mapa” —, o que favorece propostas mais agressivas de outorga e compromissos de investimento em rede física e digital.

Isso gera impactos imediatos para governos estaduais. Editais em curso devem ser revisados para: (i) retirar cláusulas que reproduzam as vedações derrubadas; (ii) calibrar requisitos de participação de grupos com atuação multijurisdicional, prevenindo concentração abusiva sem restringir competição; (iii) especificar padrões mínimos de governança, segurança da informação e certificações reconhecidas no setor; e (iv) ajustar regras de publicidade para exigir campanhas responsáveis, com restrições a público infantil, horários e conteúdo, além de obrigar informações claras ao usuário quanto a probabilidades, riscos e canais de apoio ao jogador.

A decisão também gera impactos para operadores e investidores, pois abre espaço para estratégias de “hub” tecnológico e de marca e consórcios que unifiquem backoffice, antifraude e atendimento, com ganhos de escala que antes eram inviáveis. Por outro lado, cresce a exigência de robustez contratual: segregação contábil por ente concedente; auditorias independentes; métricas de jogo responsável; e governança de publicidade (linhas vermelhas, aprovação prévia e trilhas de auditoria).

Além disso tudo, a atuação multiescala pode aumentar o poder de mercado dos vencedores, especialmente em estados de menor porte. Editais e contratos devem prever remédios pró-competitivos (limites de participação por cota, obrigações de interoperabilidade com terminais de terceiros e regras de portabilidade de dados) e gatilhos de revisão caso a concentração se eleve. Em paralelo, estados precisam coordenar padrões de reporte e fiscalização — inclusive com o Coaf — para harmonizar exigências técnicas, de integridade e de proteção ao consumidor.

Finalmente, a liberação da publicidade com alcance nacional tende a profissionalizar o marketing — patrocínios esportivos, mídia segmentada e campanhas educativas —, e, se bem regulada, pode ampliar a base de jogadores ocasionais, que sustentam arrecadação e repasses sociais, sem estimular o jogo de risco. Ao mesmo tempo, a escala interestadual viabiliza investimentos em canais digitais mais robustos, aproximando o setor lotérico estadual do desempenho observado em outras jurisdições.

Em resumo, o STF trocou um modelo fragmentado por uma lógica de competição por eficiência. Quem estruturar projetos com governança sólida, métricas de integridade e foco em experiência do usuário tende a capturar valor (e, de quebra, a entregar mais recursos para políticas públicas, com responsabilidade social).

Gostou do conteúdo?

Faça seu cadastro e receba novos artigos e vídeos sobre o tema
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.