Síntese
A Primeira Seção do STJ, ao julgar o Tema 1.010, foi unânime ao definir que edificações devem respeitar limite mínimo de 30 metros de afastamento das margens dos cursos d’água. A decisão foi proferida sem modulação de efeitos, afetando tanto construções futuras como as já encerradas, trazendo insegurança jurídica às empresas do ramo de construção civil.
Comentário
Até 28.04.2021, imperava controvérsia entre o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012) e a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/79) acerca dos limites mínimos a serem respeitados quando da construção em margens de cursos d’água.
O Código Florestal, em seu artigo 3°, inciso II, define como Área de Preservação
Permanente – APP a “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”
Com intuito de proteger essas áreas, o Código Florestal e a Lei de Parcelamento do Solo determinam distâncias mínimas a serem respeitadas para construção em áreas de margem de cursos d’água. Contudo, enquanto o primeiro adota limite variável, mas respeitando um mínimo de
30 metros, a Lei de Parcelamento estabelece limite mínimo de 15 metros.
Antes da reforma do Código Florestal, em 2012, adotava-se o limite mínimo de 15 metros para construção em perímetros urbanos, tendo sido realizadas obras nestas áreas com observância da metragem até então indicada. Em 2012, o novo Código Florestal trouxe o limite de 30 metros aplicável às áreas urbanas e rurais, mas, em razão da divergência com a Lei do Parcelamento, muitas obras acabaram sendo aprovadas – e construídas – com observância do limite mínimo de 15 metros.
Esse tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça por meio de processos originários do Estado de Santa Catarina, após o Ministério Público ter interposto três recursos especiais com teses idênticas, admitidos como repetitivos pelo STJ.
No julgamento, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina reforçou a existência de violações ao ambiente e defendeu a aplicação do limite de 30 metros sob o argumento de que o Estado tem a missão de salvaguardar o meio ambiente. Segundo o MP, o novo Código Florestal Brasileiro é o ordenamento responsável pela proteção à biodiversidade, porquanto, mais específico que a Lei de Parcelamento do Solo.
Por sua vez, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, na posição de amicus curiae, defendeu a aplicação do limite de 15 metros, reforçando a necessidade de modulação de efeitos para resguardar as construções concluídas que tiveram autorização sob fundamento da Lei de Parcelamento do Solo.
Era necessário colocar um fim ao conflito entre as normas. Foi o que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça fez ao decidir, por unanimidade, que o limite mínimo de distância entre as edificações e os cursos d’água deve ser de 30 metros, independentemente de perímetro urbano ou rural, consagrando a prevalência do Código Florestal Brasileiro sobre o tema.
O Relator Ministro Benedito Gonçalves trouxe decisão pela prevalência do Código Florestal (limite de 30 metros mínimos), sob a justificativa de que seria mais específico sobre o tema, além de proporcionar maior proteção ao meio ambiente em áreas urbanas e rurais.
Mas, diante da decisão, o que acontecerá com os edifícios já construídos ou em andamento com base na distância mínima de 15 metros? E com as licenças ambientais já concedidas para construção dentro da área dos 30 metros?
Considerando a ausência de modulação dos efeitos da decisão, a determinação afeta tanto as construções já concluídas, como aquelas em estado inicial e as licenças ambientais de construção dentro dos 30 metros limítrofes. Ou seja, em tese, as edificações deverão ser demolidas, interrompidas e impossibilitadas, sendo as licenças concedidas canceladas.
É possível que com a decisão do STJ muitas construções em curso sejam questionadas pelos representantes dos municípios ou pelo Ministério Público, podendo ser paralisadas ou sofrerem demolição.
O julgamento do Tema 1.010 certamente gerará impactos positivos ao meio ambiente, no sentido de protegê-lo de ações predatórias. Contudo, trouxe grande instabilidade jurídica, vez que tornou incerto o destino de inúmeros empreendimentos no Brasil todo, principalmente em se tratando de edifícios já concluídos.