Síntese
Em abril de 2025, o STJ, no REsp 2.127.038/SP, autorizou a expedição de ofícios a corretoras de criptoativos para localizar e penhorar ativos financeiros. A Corte reconheceu os criptoativos como bens com valor econômico que integram o patrimônio do devedor e, portanto, são aptos a sofrer constrição para satisfação do crédito executado.
Comentário
Produto da sociedade contemporânea e de seu enfoque em tecnologia, as criptomoedas – um ativo que se comporta como espécie de commodity digital – tendem a continuar revolucionando as operações econômicas e empresariais. Os criptoativos são ativos virtuais criptografados, transacionáveis sem intermediários por meio de uma blockchain (cadeia de blocos), isto é, um livro digital de registros de transações, público, auditável e rastreável. (ESPIR, Bárbara Cabrera; STEINBERG, Daniel Fideles, 2021).
Não apenas como investimento ou reserva de valor, os criptoativos têm por fundamento a possibilidade de um sistema financeiro descentralizado e global, publicamente monitorado por qualquer usuário que acesse a blockchain.
Desde a criação do bitcoin, em 2008, o tema impacta sensivelmente as relações sociais e, por consequência, as relações jurídicas delas decorrentes. Nesse sentido, a primeira operação econômica amplamente reconhecida praticada com o bitcoin ocorreu em 22 de maio de 2010, quando Laszlo Hanyecz, um programador da Flórida, comprou duas pizzas por 10.000 bitcoins – valor que, atualmente, corresponderia a mais de R$ 6,5 bilhões. Anualmente, entusiastas de criptoativos celebram o “Bitcoin Pizza Day”, como marco histórico do dia em que foi comprada a pizza mais cara de todos os tempos.
Apesar da difusão dos criptoativos – que são, segundo dados de pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, a quarta opção de investimento mais atrativa para brasileiros (BINANCE. Criptomoeda é escolha de 4 em cada 10 investidores. Poder360, 30 abr. 2025. Disponível em: https://www.poder360.com.br/conteudo-patrocinado/criptomoeda-e-escolha-de-4-em-cada-10-investidores/. Acesso em: 8 out. 2025) –, seu reconhecimento como bens dotados de valor econômico e aptos a integrar o patrimônio das pessoas só passou a ganhar solidez no Poder Judiciário recentemente.
Apenas em abril deste ano, quase quinze anos após o “Bitcoin Pizza Day”, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu a primeira decisão de um tribunal superior sobre a matéria, reconhecendo expressamente os criptoativos como bens penhoráveis para satisfação de dívidas. No caso concreto, o exequente havia requerido ao juízo de 1º grau a expedição de ofícios a corretoras de criptomoedas, a fim de localizar e penhorar ativos do executado. O pedido foi negado, o que motivou a interposição de recurso de agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
O TJSP manteve a decisão inicial sob o fundamento de que, na ausência de regulamentação específica, não haveria garantia de comercialização efetiva desses ativos, tampouco de sua conversão forçada em moeda, razão pela qual a diligência não teria utilidade e configuraria indevida quebra de sigilo financeiro.
A decisão, contudo, foi integralmente reformada pelo STJ, que autorizou a expedição de ofícios às corretoras de criptoativos para localização e penhora de eventuais valores da parte executada. No Recurso Especial n.º 2.127.038/SP, a Corte reconheceu que os criptoativos são passíveis de tributação, que suas operações devem ser declaradas à Receita Federal e que podem ser utilizados como forma de pagamento e como reserva de valor. Assim, trata-se de bens de valor econômico que efetivamente compõem o patrimônio do devedor e, por conseguinte, são passíveis de constrição para satisfação de suas dívidas.
O precedente inaugura um novo horizonte no processo de execução e nas rotinas de cobrança, demonstrando que os tribunais brasileiros estão atentos às transformações econômicas. Além de autorizar expressamente a penhora de criptoativos, a fundamentação sinaliza a possibilidade de busca de outros bens digitais do devedor, como stablecoins e tokens não fungíveis (NFTs), ampliando as chances de êxito na recuperação de crédito e a proteção dos interesses dos credores.