As concessões rodoviárias desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da infraestrutura, atraindo a expertise e o investimento do setor privado. No entanto, uma supervisão eficaz é imprescindível para garantir que as concessionárias cumpram suas obrigações contratuais, prestem serviços de qualidade e atendam às finalidades públicas visadas com o serviço. Nesse contexto, o papel da verificação independente tem se tornado cada vez mais relevante. Esse foi inclusive um dos temas contemplados no RCR da ANTT.
Diante disso, é importante analisar as tendências atuais nessa área, com foco nos indicadores de desempenho, na acreditação e no papel do verificador independente no Brasil.
Tendências na fiscalização de concessões rodoviárias e o papel dos verificadores independentes
Nota característica dos contratos de concessão atuais é a aferição do desempenho, nos quais o foco se desloca dos instrumentos para os resultados e os níveis de serviço. No Brasil, o fomento à contratação baseada em desempenho visa modernizar a gestão de contratos e oferecer níveis de serviço padronizados aos usuários. Da mesma forma, a tecnologia também desempenha um papel crucial no aprimoramento da supervisão, com ferramentas para coleta, análise de dados e monitoramento em tempo real. Nesse sentido, a figura do verificador independente contribui para a eficiência da prestação dos serviços ao fornecer avaliações objetivas e maior transparência na gestão das concessões.
O papel do verificador independente está em expansão, indo além das auditorias técnicas para incluir o monitoramento financeiro, a verificação de conformidade e, até mesmo, a emissão de pareceres e opinativos sobre pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro.
Trata-se de entidades independentes e tecnicamente competentes, acreditadas pela Coordenação Geral de Acreditação (CGCRE) do Inmetro, para realizar inspeções em diversos aspectos das concessões, como projetos, obras de engenharia e o monitoramento de parâmetros de desempenho. A sua atuação visa assegurar o cumprimento dos termos contratuais, da legislação e das normas técnicas aplicáveis.
E dada a relevância que esse mecanismo tem assumido no dia-a-dia da concessão, a regulação também tem acompanhado essa evolução e se dedicado a atualizar as regras a ele atinentes. Exemplo disso foi a atualização da Instrução Normativa nº 19/2023 pela ANTT para incluir parâmetros de desempenho e inspeções obrigatórias por organismos acreditados. A Instrução Normativa nº 27/2024 da ANTT estabeleceu a obrigatoriedade de inspeção dos relatórios de monitoramento das concessionárias por organismos acreditados para garantir a confiabilidade das informações.
A contratação do verificador independente é disciplinada nos contratos de concessão, mas, em geral, essa obrigação é atribuída à concessionária. O requisito de prévia acreditação pelo Inmetro assegura a capacitação e a imparcialidade do verificador. Além disso, os contratos de concessão usualmente contemplam outras condições específicas, tais como a vedação de se tratar de parte relacionada e o prazo fixo e improrrogável para atuação do verificador em determinada concessão. Trata-se de requisitos que, em seu conjunto, buscam assegurar a atuação imparcial e isenta do verificador.
A evolução para contratos baseados em desempenho torna essencial a verificação independente para medir objetivamente se os padrões de desempenho acordados estão sendo cumpridos. Essa mudança representa um avanço em relação à simples verificação dos meios utilizados, passando a avaliar a qualidade e o impacto reais do trabalho da concessionária.
O crescente envolvimento de verificadores independentes em aspectos financeiros e no reequilíbrio de contratos indica uma tendência para uma supervisão mais abrangente, visando prevenir controvérsias e garantir ajustes justos através de uma figura independente às partes. E, também, a iniciativa da ANTT de tornar obrigatória as inspeções por organismos acreditados sinaliza um esforço para maior rigor e padronização no processo de supervisão, buscando aumentar a credibilidade e a confiabilidade das avaliações de desempenho.
Ferramentas para medir o desempenho em concessões rodoviárias
Os Indicadores de Desempenho são ferramentas essenciais para medir a eficiência das concessões rodoviárias. Além dos indicadores de desempenho individualizados, previstos nos contratos e nos regulamentos e que são objeto de fiscalização rotineira, há ferramentas de análise ampla de indicadores, que permitem um diagnóstico abrangente das rodovias concedidas.
No Brasil, destacam-se o acompanhamento do PROCROFE, o Índice ABCR+ e o HCM como importantes mecanismos de avaliação.
O Programa de Concessões Rodoviárias Federais (PROCROFE), divulgado anualmente pelo Ministério dos Transportes, oferece uma análise abrangente das rodovias federais sob concessão. Esse programa examina minuciosamente aspectos como a segurança viária, através da contabilização de acidentes e suas consequências; a qualidade do pavimento, identificando irregularidades que impactam o conforto e a segurança; a satisfação dos usuários em relação aos serviços e às condições da via; as tarifas de pedágio praticadas; o nível de investimento e atuação do setor privado; as iniciativas de sustentabilidade implementadas; a ocorrência de roubo de cargas; e a velocidade média de tráfego, indicando a fluidez do trânsito. O acompanhamento contínuo desses indicadores permite ao poder concedente e aos usuários verificar o cumprimento das obrigações contratuais e a evolução da qualidade das rodovias.
Complementando as informações do PROCROFE, a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) desenvolveu o Índice ABCR+. Este índice também se baseia em indicadores de desempenho, buscando aprofundar a avaliação da atuação das concessionárias. O Índice ABCR+ considera o atendimento prestado aos usuários, abrangendo a qualidade dos serviços nos pedágios e nos atendimentos de emergência, bem como a eficiência dos canais de comunicação. Examina também o impacto econômico da rodovia na região, considerando a geração de empregos e a facilitação do transporte de mercadorias, e avalia o impacto ambiental e social das ações da concessionária nas comunidades vizinhas. A segurança viária e a qualidade de outros serviços, como sinalização e manutenção, também são componentes importantes desse índice. Dessa forma, o ABCR+ proporciona uma visão mais holística do desempenho das concessionárias, integrando aspectos operacionais, sociais e ambientais.
Por outra perspectiva, o Highway Capacity Manual (HCM) representa uma metodologia técnica de reconhecimento internacional utilizada em estudos no Brasil para analisar o desempenho operacional das rodovias, com foco na capacidade e no fluxo de tráfego. O HCM auxilia na identificação de gargalos, na avaliação do nível de congestionamento e na compreensão de como diferentes fatores rodoviários influenciam a circulação de veículos. Embora sua aplicação no Brasil ainda não seja totalmente padronizada, o HCM oferece um potencial significativo para aprimorar a análise da eficiência do tráfego nas rodovias concedidas.
Assim o PROCROFE, o Índice ABCR+ e o HCM constituem ferramentas valiosas para a avaliação do desempenho das rodovias concedidas no Brasil. Enquanto o PROCROFE oferece um panorama geral definido pelo poder concedente federal, o Índice ABCR+ proporciona uma análise mais detalhada das ações das concessionárias, e o HCM contribui para a compreensão da dinâmica do tráfego. A utilização conjunta e a busca por uma maior padronização dessas ferramentas são passos importantes para fortalecer a fiscalização e garantir que as concessões rodoviárias cumpram seu papel no desenvolvimento do país, oferecendo serviços de qualidade e valor para a sociedade.
A acreditação como garantia de padrão em concessões rodoviárias
Como visto, as normas atualizadas da ANTT agora exigem investigação obrigatória do monitoramento das concessionárias por Organismos de Inspeção Acreditados (OIA). Os OIAs desempenham um papel crucial na garantia da qualidade e conformidade em concessões rodoviárias.
A obrigatoriedade da atuação dos OIAs, especialmente no âmbito federal, tem sido impulsionada pela ANTT. A experiência da ANTT com os OIAs demonstra um avanço significativo na fiscalização e no acompanhamento das concessões. Ao contar com o apoio de entidades especializadas e acreditadas, a agência reguladora fortalece a confiabilidade das informações sobre a execução das obras e a qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias. Os OIAs fornecem laudos técnicos imparciais, identificando não conformidades e atestando a veracidade dos dados monitorados pelas empresas, permitindo à ANTT tomar decisões mais informadas e eficientes na sua função regulatória.
No estado de São Paulo, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP) também tem incorporado a figura dos OIAs em seus processos de acompanhamento das concessões rodoviárias estaduais. A experiência da ARTESP aponta para resultados semelhantes aos observados no âmbito federal, com um aumento na segurança e na qualidade da fiscalização das obras e serviços. A atuação dos OIAs contribui para uma maior transparência e para a mitigação de riscos, auxiliando a agência a garantir que os investimentos sejam realizados de acordo com o planejado e que os padrões de desempenho sejam alcançados.
Note-se que a atuação de OIAs não elimina a responsabilidade da ANTT e da ARTESP, mas as fortalece, permitindo que foquem seus recursos em atividades estratégicas de regulação, com base em informações mais robustas e confiáveis fornecidas pelos OIAs. A acreditação pelo Inmetro confere credibilidade e padronização aos processos de inspeção, assegurando a competência técnica dos organismos e a imparcialidade de seus resultados.
Os OIAs se consolidam como importantes aliados na gestão e fiscalização de concessões rodoviárias, proporcionando maior segurança jurídica, técnica e operacional para todos os envolvidos: usuários, concessionárias e o poder concedente.