Uma nova perspectiva para o mercado imobiliário: o condomínio de lotes

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Dayana Dallabrida

Head da área de contratos empresariais

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Ora, não é possível negar que, embora sem previsão legal expressa, há muito existem os condomínios e loteamento fechados. E ditos condomínios e loteamento fechados, assim vulgarmente denominados, coincidem ou se aproximam da estrutura do chamado condomínio de lotes da nova lei.

A Lei de Condomínios Edilícios e a Lei de Parcelamento do Solo Urbano previam até a vigência da lei 13.465/2017 dois grandes tipos de empreendimentos imobiliários urbanos: o loteamento, que consiste na subdivisão de uma área com a criação de terrenos/lotes autônomos e construção de infraestrutura urbana pública para atendê-los, e o condomínio edilício, que consiste na criação de unidades imobiliárias autônomas, com edificações, alocadas dentro e compartilhando de uma área comum.

Até então se debateu muito sobre a viabilidade de um condomínio constituído apenas por lotes, sem projeto de edificação. Alguns municípios autorizavam esse arranjo imobiliário, embora se questionasse a existência de competência legislativa para tanto.

Naqueles locais em que a legislação local não autorizava sua instituição, muitos empreendedores submetiam aos órgãos de aprovação e registro de imóveis projetos de condomínios com edificações que, na prática, eram individualmente alteradas pelos adquirentes das unidades. Ou seja, para a aprovação do empreendimento imobiliário, apresentava-se um projeto de edificação simplesmente pro forma. Um custo desperdiçado, pois os projetos eram reapresentados com as características desejadas pelos adquirentes das unidades.

Ainda, sob um arranjo formal diferente dos condomínios, foi muito praticado até aqui o loteamento fechado. Nos termos da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, o terreno (gleba) era parcelado em lotes e o empreendedor promovia obras de infraestrutura urbana, então doadas ao Município. Porém, muito embora a infraestrutura desenvolvida para o empreendimento passasse à titularidade do Poder Público, muitos loteamentos se fecharam inibindo ou diminuindo o acesso público desse espaço. Esse modelo foi corretamente muito contestado. De fato, não há fundamento legal a impedir o livre acesso a esses espaços que, em maior ou menor grau, são mantidos pelo Poder Público.

O modelo de loteamento fechado também gerou controvérsias – até hoje não estabilizadas pelo Poder Judiciário – sobre o custeamento de despesas comuns do empreendimento. É que não havendo partes comuns privadas, pois a infraestrutura no seu entorno passa a ser pública, não era possível que os seus moradores se organizassem em regime de condomínio. Em muitos casos foram criadas associações que tinham como objetivo fazer o papel do condomínio, arrecadando recursos e promovendo benfeitorias comuns aos moradores do loteamento. Mas essa estratégia também nunca foi bem-sucedida. O modelo jurídico de associação não é adequado a esse propósito. A associação é voluntária e a ideia de contribuição para um benefício comum dos moradores do loteamento raramente (ou nunca) terá adesão unânime. Aqueles que contribuem sentem-se prejudicados por aqueles que não e assim o modelo vai perdendo adeptos e, por conseguinte, sua utilidade.

Agora, pelo novo 1.358-A do Código Civil, terrenos podem ser organizados entre partes privativas (lotes) e comuns, o que se denominou condomínio de lotes, novo instituto que mistura elementos próprios de loteamentos e de condomínios.

A Lei de Parcelamento do Solo Urbano conceitua como lote o terreno servido de infraestrutura básica, ou seja, de equipamentos urbanos para iluminação pública, escoamento de águas pluviais, rede de esgoto, abastecimento de água e de energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. Logo, ao estabelecer o condomínio de lotes, o legislador requer do empreendedor que esta infraestrutura seja implementada. A diferença é que agora ela não é mais doada ao Poder Público e passa a ser gerida privativamente em regime de condomínio.

Ou seja, esse novo instituto veio para acomodar juridicamente as duas conturbadas situações antes descritas. A do condomínio, que agora pode ser instituído pela simples criação de lotes autônomos sem edificações (o popular lote nu), e a do loteamento que, cujo espaço comum pode ser agora gerido segundo as regras do condomínio edilício naquilo que for compatível.

A reflexão sobre o novo condomínio de lotes leva-nos a concluir, a bem da verdade, que a distinção conceitual entre o loteamento e o condomínio vertical (o chamando condomínio de casas) nunca foi nítida na lei. Isso é tão verdade que o mercado imobiliário improvisou por muito tempo arranjos que misturavam características de um e de outro.

Uma regra curiosa do condomínio de lotes é a que faz menção à atividade de incorporação: “para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor”. Esse novo instituto nasceu, portanto, submetido ao regime jurídico dos loteamentos, dos condomínios edilícios e também das incorporações. Ao que parece, o legislador desejou fazer do loteamento um empreendimento a seguir os princípios da atividade de incorporação, atraindo, por exemplo, aqueles institutos que preservam a autonomia patrimonial e financeira do projeto imobiliário: patrimônio de afetação, impenhorabilidade dos recebíveis decorrentes da alienação das unidades (conforme regra do Novo Código de Processo Civil) e assim por diante.

Mas o novo instituto imobiliário está sofrendo críticas. Uma importante é que o condomínio de lotes implicaria na privatização de um patrimônio que haveria de ser necessariamente público em razão dos princípios de ocupação urbana. A crítica tem sentido por conta da indefinição da proporção que tais empreendimentos podem tomar. Se o empreendimento for pensado segundo as proporções de pequenos condomínios de casas, é possível dizer que se equivalerá aos tantos milhares de condomínios edilícios já existentes e, portanto, de menor impacto na cidade. O novo regime nessa perspectiva pouco inova em relação ao regime jurídico já existente. Por outro lado, pensando-se sob a perspectiva dos grandes loteamentos, ou seja, aqueles que chegam a constituir novos bairros na cidade, a crítica é muito relevante por este modelo colocar em risco o processo de modernização do espaço urbano. Como bem mencionou o professor Flávio Tartuce, as cidades não podem ser dominadas por “feudos murados”. E a administração desse risco estará a partir de agora com os Municípios, que deverão pensar em suas políticas públicas conscientes das possibilidades que o novo instituto trouxe para a ocupação fundiária.

Sem deixar de lado as preocupações sobre alguns possíveis efeitos negativos que a “legalização” dos condomínios e loteamentos fechados podem causar à cidade – mas que podem e devem ser geridos pelas administrações locais -, o novo instituto deve ser comemorado pelo mercado de empreendedores imobiliários. Sair da zona de incerteza é uma grande vitória. Projetar um empreendimento de lotes sem improvisos e com a segurança de que ele será recebido pelos órgãos e registros imobiliários é, sem dúvida, uma condição a gerar benefícios econômicos a toda a sociedade. A lei 13.465/2017 demorou a chegar.

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