Um dos requisitos a serem cumpridos por uma empresa a fim de concorrer em uma licitação é a comprovação de que ela possui qualificação técnica para realizar o objeto solicitado pela administração pública. Ou seja, a empresa deve comprovar que possui conhecimento suficiente para cumprir o contrato.
Em regra, considera-se como preenchido tal requisito quando a empresa demonstra deter experiência para realizar serviços de mesma natureza que aquele da licitação em que pretende concorrer. Assim, em um certame cujo objeto é a pavimentação das vias de um município, por exemplo, uma empresa consegue comprovar a sua capacidade técnica demonstrando que já prestou serviços dessa natureza anteriormente.
Ocorre que, por vezes, devido a estratégias comerciais ou por outros interesses, empresas que costumam participar de licitações acabaram realizando operações de reorganização societária como cisões, fusões ou a constituição de subsidiárias integrais. Daí surgem novas empresas, que muitas vezes mantém relações muito próximas com a(s) empresa(s) que realizou(am) a operação, mas que formalmente não possuem o mesmo acervo técnico destas últimas.
A fim de viabilizar a participação dessa nova empresa em licitações, tem-se adotado a prática de transferir parte ou todo o acervo técnico das empresas cindidas, fundidas ou da holding da subsidiária integral para a nova empresa, numa tentativa de permitir que essa última preencha os requisitos de capacidade técnica comumente feitos no bojo dos procedimentos licitatórios.
A referida transferência, em que pese ser admitida pela doutrina, costuma gerar dúvidas de ordem prática. Não existe um procedimento claro para ela ser realizada de modo legítimo e seguro.
Para que seja reconhecida e aceita, é de todo recomendável que a transferência de acervo seja respaldada em uma série de medidas, que, juntas, levam à conclusão de que a nova empresa recebeu capacidade técnica de sua(s) empresa(s) mãe(s).
Nesse sentido, por meio da análise de algumas decisões como as de
nº 2444/2012, 4936/2016, 0362/2016-6 e 3334/2012 proferidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), é possível perceber que o judiciário reconhece como eficaz a transferência do acervo técnico, quando, no caso concreto, ocorre o seguinte:
• realização de assembleia pelas empresas cindidas, fundidas ou pela holding, na qual se delibere expressamente acerca da cessão do acervo técnico em favor da nova empresa;
• integralização do acervo técnico no capital social da empresa que irá recebê-lo;
• transferência dos funcionários das empresas cindidas, fundidas ou da holding, para a nova empresa – principalmente de engenheiros e responsáveis técnicos, em nome de quem está vinculada a capacidade técnica da empresa;
• transferência de equipamentos, máquinas e instalações físicas de uma empresa para outra, dentre outras.
Tais medidas, conforme o entendimento do TCU, são suficientes para comprovar que a capacidade técnica de uma empresa foi transferida para outra empresa.
Cumpre registrar que esse entendimento parte da premissa de que a capacidade técnica não é algo inerente à empresa. Para o TCU, ela decorre do conhecimento técnico dos seus funcionários, da sua estrutura física e dos equipamentos por ela utilizados na realização de suas atividades.
Assim, se todos os funcionários de uma empresa (em especial aqueles que compõem o corpo técnico) forem demitidos, a mera substituição da mão de obra pode não ser suficiente para que ela mantenha o padrão de qualidade e produtividade demonstrada anteriormente.
Sob esse prisma, a capacidade técnica de uma empresa apenas subsiste enquanto os seus recursos humanos e materiais se fizerem presentes (como bem defende o professor Marçal Justen Filho). Se todo ou parte desse conjunto for transferido para outra empresa, no mesmo sentido o será a sua capacidade técnica.
De todo modo, deve-se destacar que a ausência de um procedimento claro torna as operações de transferência de acervo bastante casuísticas e dependentes de assessoria jurídica adequada para garantir a sua legitimidade e a sua segurança.