A elevação do saneamento básico a direito social na Constituição Federal: um avanço civilizatório

Aprovação da PEC no Senado é um passo fundamental em torno da universalização do saneamento, tornado o acesso não um privilégio, mas um direito humano.

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Síntese

Recentemente, o Senado Federal aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 13/2022), que altera significativamente o cenário normativo do direito ao saneamento básico no Brasil. A PEC, que agora segue para apreciação da Câmara dos Deputados, busca incluir o saneamento básico como um direito social expresso no Art. 6º da Constituição Federal, ao lado de direitos fundamentais como saúde, educação, moradia e alimentação.

Comentário

Historicamente, o Brasil enfrenta um déficit significativo em saneamento básico, com milhões de cidadãos ainda sem acesso adequado. A ausência de acesso à água potável tratada, coleta e tratamento de esgoto sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais impacta diretamente a saúde pública, o meio ambiente e o desenvolvimento socioeconômico.

Estima-se que os custos indiretos com saúde e perda de produtividade devido à falta de saneamento sejam substanciais. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento em 2021, cerca de 16% da população brasileira não tinha acesso à água potável e aproximadamente 45% não possuía coleta de esgoto.

O Marco Legal do Saneamento, instituído pela Lei nº 14.026/2020, estabeleceu metas ambiciosas para a universalização deste direito social – 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033.

A constitucionalização do saneamento básico como direito social vem, nesse contexto, robustecer o arcabouço legal e político para o atingimento desses objetivos.

A Proposta de Emenda à Constituição em questão, identificada no Senado como PEC 6/2021 (que durante sua tramitação na casa legislativa recebeu o número PEC 16/2024), obteve aprovação unânime em dois turnos no plenário do Senado em abril de 2025, o que demonstra o consenso político em torno da matéria.

A sua principal alteração é a inclusão explícita do “saneamento básico” entre os direitos sociais elencados no artigo 6º da Constituição federal, ao lado de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados. Essa inserção confere ao saneamento um status de fundamentalidade, vinculando o Estado à sua provisão de forma mais incisiva e tornando-o um direito subjetivo do cidadão.

As implicações jurídicas e sociais dessa mudança são profundas. Primeiramente, o saneamento básico deixa de ser encarado primordialmente como um serviço público para ser reconhecido como um direito subjetivo do cidadão e um dever inalienável do Estado.

Isso significa que os indivíduos e a coletividade passam a ter um respaldo constitucional mais forte para exigir a efetivação dessas políticas, inclusive por meio da judicialização, caso o Estado se omita.

Em termos práticos, espera-se um incremento na priorização orçamentária para o setor, com a destinação de maiores recursos públicos e a busca por fontes de financiamento mais estáveis e contínuas, bem como um maior controle social e judicial sobre a implementação das metas de universalização.

A medida também é vista pelo setor privado como um estímulo, podendo atrair investimentos necessários para a expansão da infraestrutura, uma vez que a segurança jurídica e a fundamentalidade do direito tendem a reduzir riscos percebidos.

A garantia do acesso ao saneamento está intrinsecamente ligada à promoção da saúde, à redução da mortalidade infantil, à melhoria da qualidade de vida, à preservação ambiental e à valorização imobiliária, contribuindo para um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável que abrange também a educação (menor absenteísmo escolar por doenças), o turismo e a produtividade econômica.

Contudo, a simples constitucionalização não resolve, por si só, os desafios complexos do setor. A efetivação desse direito demandará um esforço coordenado e contínuo entre os entes federativos, um planejamento robusto e de longo prazo, a superação de entraves burocráticos (como licenciamentos ambientais e processos licitatórios), e, crucialmente, a garantia de fontes de financiamento contínuas e adequadas, que podem incluir recursos orçamentários, investimentos privados, tarifas e fundos específicos.

Em conclusão, a aprovação da PEC que inscreve o saneamento básico como direito social na Constituição Federal é um passo de extrema relevância. Ao elevar o saneamento à categoria de direito fundamental, o Brasil reafirma seu compromisso com a dignidade de sua população e com a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e saudável.

Resta agora o trâmite na Câmara dos Deputados e, posteriormente, o desafio contínuo de transformar a previsão constitucional em realidade palpável para todos os cidadãos, assegurando que este direito, mais que básico, seja plenamente efetivado e que o país supere de vez o déficit histórico que ainda afeta milhões de brasileiros.

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