A execução provisória da pena e a oscilação jurisprudencial dos Tribunais Superiores

A legitimidade constitucional da execução provisória da pena e a relativização do princípio basilar da presunção de inocência
Larissa Caxambú

Larissa Almeida

Advogada egressa

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A presunção de inocência, princípio basilar da persecução penal, deve ser sinônimo de efetiva garantia aos acusados, tendo como vetor a Constituição Federal, que estabelece em seu artigo 5°, inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Portanto, tem-se aqui como regra a liberdade! Sendo assim, a antecipação executória da sanção penal somente é admitida em situações excepcionais, tendo por objetivo garantir a efetividade do processo.

Não por outro motivo é que nos Tribunais Superiores passou a prevalecer a orientação de que, em atenção ao princípio da ampla defesa, mesmo na pendência de recursos sem efeito suspensivo – extraordinário e especial – seria desarrazoável permitir a prisão antes do trânsito em julgado, quando inexistentes as hipóteses de decretação cautelar (HC 84.078/2009). Seguindo esse entendimento, conferiu-se uma nova redação ao artigo 283 do CPP (Lei n. 12.403/2011): “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

A mudança de interpretação quanto ao sentido da norma (princípio constitucional da presunção da inocência) veio no julgamento do HC n. 126292/SP (2016), no qual o e. STF reconheceu que o início da execução da pena condenatória, após a confirmação da sentença em segundo grau, não ofenderia o referido postulado constitucional, isto porque em tal instância se encerraria a análise de fatos e provas que serviram de alicerce para reconhecer a culpa do condenado.

Certo é que, com fundamento na (i) inexistência de efeito suspensivo dos recursos aos tribunais superiores, (ii) garantia da efetividade do direito penal e da aplicação da pena de prisão – utilização abusiva e protelatória de recursos para obstar o trânsito em julgado e alcançar a prescrição da pretensão punitiva, (iii) ausência de comprometimento do núcleo essencial da não culpabilidade (restrição razoável), considerando a observância dos direitos e garantias ao acusado durante o processo ordinário criminal, o e. STF manteve esse posicionamento ao indeferir as medidas cautelares formuladas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44(04/10/2016) – que tem por objeto o reconhecimento de constitucionalidade do artigo 183 do Código Penal.

Tal orientação foi mantida quando da apreciação do Recurso Extraordinário com ARE 964246/SP (11/11/2016), julgado sob a sistemática da repercussão geral, bem como no HC 152752/PR (2018), consolidando assim o entendimento permissivo dos Tribunais Superiores quanto ao início do cumprimento da pena após confirmação da condenação em segunda instância, com o julgamento dos embargos de declaração, sob pena de “negar o direito fundamental do Estado de impor a sua ordem penal” (Ministro Luiz Fux).

Por outro lado, em que pese o e. STF tenha reconhecido a possibilidade de execução provisória da pena de prisão, certo é que ainda não há um posicionamento firmado pelo plenário do Supremo com relação ao cumprimento provisório das penas restritivas de direito.

No STJ vem se consolidando o entendimento quanto à impossibilidade de cumprimento provisório das penas restritivas de direito. A justificativa para tal posicionamento é a de que, no julgamento do HC 126.292/SP, a análise se restringiu unicamente quanto à prisão – reprimenda privativa de liberdade. Ainda, nos termos do artigo 147 da Lei de Execução Penal, há disposição expressa em relação à necessidade de prévio trânsito em julgado para o início da execução da pena restritiva (AgRg na PetExe nos EAREsp 828.271/SC, j. 11/10/2017; EREsp 1.619.087-SC, j. 14/6/2017; AgRg na PetExe no AREsp 971.249/SP, j. 09/03/2017; HCnº 469.457/SP, j. 14/09/2018).

Importante ponderar de qualquer modo a existência de divergência de entendimento com relação à 6° Turma do STJ, que reconhece a possibilidade de execução provisória das penas restritivas, diante da ausência de ressalva nas decisões do Supremo, justificando ainda seu posicionamento da seguinte forma: (i) se é possível a execução provisória de pena privativa de liberdade, muito mais gravosa para o réu, com muito mais razão é possível a execução de medida restritiva de direitos, menos gravosa, e (ii) a imposição de medida restritiva de direitos também se insere no conceito de sanção penal para efeitos de execução da pena (AgRg no RESPn.1.627.367 /SP, j. 07/03/2017 e AgRg no REsp n. 1.420.207/PE,j. 22/11/2016).

Ora, como se sabe, o papel primordial dos Tribunais Superiores é zelar pela unidade, certeza e coerência do direito constitucional e infraconstitucional federal, concedendo assim sentido ao texto: “reduzindo a equivocidade dos seus enunciados linguísticos, com o que proporcionam coesão ideológica e sistematização jurisprudencial ao ordenamento jurídico” (STRECK, 2004, p. 507).

No tema exposto, entretanto, destaca-se a imprevisibilidade quanto à interpretação conferida ao normativo constitucional da presunção de inocência. Há incertezas/restrições no tocante ao alcance de sua aplicabilidade justificadas por vontades individuais, que muitas vezes podem ser consideradas como “casuísticas” – evidenciando um voluntarismo judicial.

Certo é que o clamor social pela punição, os recentes escândalos de corrupção que assolam o país, bem como a “morosidade processual” não podem se sobrepor a uma garantia processual assentada constitucionalmente como cláusula pétrea em prol do indivíduo. Trata-se de evidente retrocesso que pode ter uma consequência nefasta: a condenação injusta de inocentes!

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