A implantação do sistema de pedágio free flow em rodovias nacionais

Alteração legislativa recente traz garantias jurídicas para a implantação de cobrança automática de pedágio em regime de fluxo livre.
Murilo-Cesar-Taborda-Ribas

Murilo Taborda Ribas

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n.º 886/2021, que autoriza a implantação do sistema de cobrança automática de pedágio em regime de fluxo livre em rodovias nacionais, amplamente conhecido por free flow. Utilizado em malhas rodoviárias de países desenvolvidos, o free flow possibilita a cobrança de tarifas proporcionais à quilometragem percorrida pelos usuários, por meio de pórticos instalados ao longo de toda a rodovia com sensores capazes de identificar os veículos que trafegam no trecho. Com esse sistema, os usuários são cobrados por tags instalados em seus veículos, sem que tenham de passar por praças de pedágio.

As principais vantagens do free flow dizem respeito à flexibilidade e à eficiência do sistema em comparação ao modelo tradicional. Ao abandonar a cobrança de uma tarifa fixa pelo uso da rodovia, o novo modelo assegura maior justiça tarifária em favor dos usuários, na medida em que os motoristas pagarão apenas pelo trecho efetivamente percorrido. Além disso, esse sistema de pedágio também incentiva a alocação eficiente de recursos em futuros projetos concessionários, tendo em vista que custos relevantes – como aqueles necessários à construção da infraestrutura da praça de pedágio – deixam de existir.

Mas por que foi necessária a aprovação de um projeto de lei para viabilizar a implantação de um sistema free flow em rodovias brasileiras?

Antes da aprovação do Projeto de Lei n.º 886/2021, o maior desafio estava no potencial aumento da inadimplência com o novo modelo. Uma vez que o sistema free flow pressupõe que todos os veículos devem possuir equipamentos instalados (tags) para pagamento das tarifas, sem qualquer bloqueio físico aos usuários inadimplentes – tal como ocorria com as praças de pedágio no modelo tradicional –, havia sério risco de ampliação da já elevada taxa de evasão de pedágio. Era necessário, portanto, uma atualização do marco regulatório para incentivar os usuários a se adequarem a tal inovação.

Nesse sentido, o referido Projeto de Lei foi aprovado justamente para conferir um enforcement regulatório ao sistema free flow e permitir sua implantação de forma sustentável e efetiva. Para isso, a nova normativa faz pontuais alterações sobre a legislação existente.

Em primeiro lugar, a normativa prevê a atualização das normas do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97), criando uma tipificação específica: evasão da cobrança pelo uso de rodovias com o objetivo de não efetuar o seu pagamento ou deixar de efetuá-lo na forma estabelecida. Com isso, cria-se um incentivo econômico aos usuários à adaptação dos seus respectivos veículos antes de trafegarem em rodovias “pedagiadas”.

Além disso, o Projeto de Lei do free flow prevê que os valores decorrentes de multas aplicadas aos evasores de pedágio sejam destinados a ressarcir as perdas sofridas pelas concessionárias. A medida traz maior segurança aos operadores rodoviários em projetos futuros, evitando que o risco da referida inovação seja integralmente assumido pelo parceiro privado.

Aliás, caminhando na mesma direção do Projeto de Lei com vistas a resguardar o operador de oscilações drásticas, os projetos de concessões rodoviárias mais recentes estruturados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT vêm alocando ao parceiro público o risco pelos impactos positivos ou negativos decorrentes da implantação do sistema free flow. O Projeto de Lei apenas confere maior segurança para permitir que uma fonte de receita específica seja utilizada para equalizar esses problemas.

Por fim, reconhecendo a impossibilidade de antever todas as condições de implantação do novo sistema, o próprio Projeto de Lei prevê a necessidade de posterior regulamentação. Não só pelo Poder Executivo, que disciplinará balizas gerais para o sistema de livre passagem (art. 1º, § 2º), mas pelo próprio Conselho Nacional de Trânsito – Contran, que deverá regulamentar os meios técnicos que assegurem a identificação dos veículos que transitarem em rodovias com cobrança de uso pelo sistema de free flow (art. 2º do referido Projeto de Lei).

Como se vê, a intenção do Projeto de Lei – aprovado e que aguarda sanção presidencial – foi o de atenuar os riscos decorrentes da inovação do sistema free flow. Por se tratar de um sistema de cobrança com o potencial de revolucionar o setor rodoviário, era fundamental que o legislador se preocupasse em construir garantias jurídicas sólidas para que os primeiros passos fossem dados. A capacidade de aprendizagem dos contratos públicos nos mostrará, em um futuro próximo, se as medidas foram suficientes para criar um ambiente regulatório apto a promover um sistema rodoviário mais moderno, adequado e eficiente.

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