A impossibilidade de aplicação retroativa da lei anticorrupção

Aplicação da Lei Anticorrupção a contratos públicos de longa duração requer cautela

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A edição da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) foi importante avanço na consolidação do combate à corrupção no Brasil e da conscientização da necessidade de práticas mais íntegras no relacionamento entre empresas e a Administração Pública.

Ao mesmo passo que a Lei Anticorrupção estabelece um forte regime de responsabilização objetiva da pessoa jurídica, uma das principais garantias em sua aplicação é a impossibilidade de sua aplicação de maneira retroativa. Isso porque a Lei Anticorrupção é vigente desde a data de 29/01/2014, tendo em vista a vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias, prevista no art. 31, da Lei nº 12.846/2013, contados a partir da publicação da norma no Diário Oficial da União (ocorrida em 02/08/2013).

A própria Constituição Federal veda a aplicação retroativa de normas penais, salvo quando em benefício do acusado, como uma das garantias penais fundamentais do acusado, conforme o art. 5º, LV, da Constituição Federal, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

No mesmo sentido inclina-se tanto o art. 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, o qual prescreve que a vigência da lei também não prejudicará os preceitos do ato jurídico perfeito, bem como a redação inserida pelo art. 24, da Lei nº 13.655/2018 à LINDB, que prevê a impossibilidade de retroação de intepretação sobre norma administrativa ou de gestão pública, que “levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.

Mesmo que a Constituição Federal se refira exclusivamente à aplicação da lei penal, é de se notar que o próprio art. 5º, XXXVI, prevê que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim sendo, a Lei Anticorrupção aplica-se somente a fatos posteriores à data de 29/01/2014.

Como o foco principal da Lei Anticorrupção é a sua aplicação a procedimentos licitatórios e na execução de contratos administrativos, é natural que seus aplicadores venham a compreender que o seu emprego possa se dar a contratos complexos, como no caso de irregularidades cometidas no curso de contratos de concessões ou de PPP, especialmente os órgãos de controle.

No entanto, a aplicação da Lei Anticorrupção a fatos anteriores, mesmo que se alegue que possuam duração continuada dos atos cometidos, v.g., no caso de contratos de longa duração, como os contratos de concessão de serviços públicos ou Parceria Público-Privadas (PPPs), acredita-se que a garantia da segurança jurídica é um valor caro à sociedade e a todo o ordenamento jurídico.

Para isso, cite-se como exemplo recente decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que compreendeu que a Lei Anticorrupção é aplicável somente a partir de 2014, o que não permite sua incidência de forma retroativa a fatos consumados anteriormente à sua vigência, salvo se for em exclusivo benefício dos acusados.

Além disso, o TRF5 compreendeu que o fato de as infrações imputadas serem supostamente permanentes ou continuadas (o que afastaria a incidência da prescrição) não possui sequer possibilidade de discussão, já que “as condutas em análise não são infrações permanentes ou continuadas que vêm perdurando até o momento, o que poderia atrair a aplicação da Lei 12.846/13, cf. seu art. 25. Uma infração permanente ou continuada não se confunde com uma infração integralmente consumada, mas cujos efeitos ainda se protraem no tempo” (Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Apelação Cível nº 08002277020154058401, Desembargador Federal RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, 4ª Turma, julgamento em 19/10/2018).

Ou seja, mesmo no caso de eventuais irregularidades cometidas anteriormente à edição da Lei Anticorrupção, não é possível haver sua incidência retroativa pelos efeitos contínuos de uma conduta pretérita, mas somente no caso de a irregularidade ser de caráter continuado.

Assim sendo, compreende-se que a Lei Anticorrupção não pode ser aplicada de forma retroativa, sob pena de violação ao art. 5º, XXXVI e LV, da Constituição Federal, mesmo nos casos de contratos de longa duração, como contratos de concessão de serviços públicos ou PPPs, devendo haver respeito à garantia constitucional da irretroatividade das leis.

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