A Lei nº 12.619/12, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, estabeleceu, em síntese, que o trabalho externo não elimina o pagamento de horas extras quando o empregador exerce controle sobre a jornada do empregado. Assim, o empregador pode se valer de diário de bordo, papeleta, ficha de trabalho externo, ou, ainda, de meios eletrônicos instalados nos veículos etc., como instrumentos para o controle da jornada de seus empregados.
No entanto, para vários empregadores, ainda restam dúvidas sobre o pagamento das respectivas horas extras, principalmente em relação à pernoite de seus empregados na cabine do caminhão.
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em seu artigo 244, § 2º, estabelece que: “Considera-se de “sobreaviso” o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de “sobreaviso” será no mínimo, de 24 (vinte e quatro) horas. As horas de “sobreaviso” para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal”.
Embora o referido artigo tenha como objeto a atividade ferroviária, a jurisprudência é pacífica em reconhecer a sua aplicabilidade em relação à outras categorias profissionais. No entanto, seria possível a aplicação deste artigo ao motorista profissional?
O Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que o período de pernoite do motorista de caminhão não caracteriza tempo à disposição, uma vez que as funções de vigiar e descansar são naturalmente incompatíveis, tratando-se unicamente de circunstância inerente ao trabalho desenvolvido.
Há diversas jurisprudências e precedentes de Turmas e da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) que demonstram fundamentações neste sentido.
Como exemplo, há a recente decisão (dia 11 de dezembro de 2018) do processo nº TST-RR-832-74.2013.5.03.0129, na qual, por unanimidade, os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em processo nº TST-RR-832-74.2013.5.03.0129, decidiram por conhecer o recurso de revista da empregadora, apenas quanto ao tema “Horas Extras”, restabelecendo a decisão de primeiro grau, que julgou improcedente o pedido de um motorista de caminhão no recebimento de horas extras decorrentes do tempo de permanência do autor na cabine do caminhão.
Porém, para demonstrar a justificativa de dúvidas dos empregadores neste ramo, nota-se que a referida decisão nem sempre foi favorável à empresa:
Em sua exordial, o motorista afirmou que transportava medicamentos e matérias-primas para produzir remédios por todo o país sem nenhuma escolta e que se via obrigado a dormir dentro do caminhão para evitar possíveis roubos ou assaltos à carga, que possui valor alto de venda, requerendo, então, o pagamento relativo a esse período, em que considerava estar à disposição do empregador “vigiando”, pois tanto a mercadoria quanto o veículo eram de sua “inteira responsabilidade”.
Em sede de sentença, entendeu o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre (MG) pelo indeferimento do pedido de pagamento de horas extras, sob a alegação de que o empregado não conseguiu comprovar que a empresa o obrigava a ficar durante a noite dentro do caminhão.
No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) deu parcial provimento ao recurso ordinário do Autor para condenar a empregadora “ao pagamento de horas decorrentes do tempo de permanência do autor na cabine do caminhão”, sob a alegação de que “a permanência na cabine do caminhão ocorria por determinação da Reclamada, como forma de prevenir infortúnios, pelo que devidas as horas extras”, bem como o fato de a empresa não pagar diárias para que o motorista dormisse em pousada ou pensão.
Ou seja, embora pacífico o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Regional decidiu em desacordo com esta.
A empresa, então, interpôs recurso de revista, no qual se insurgiu contra a condenação ao pagamento de horas decorrentes da pernoite na cabine do caminhão, sob a alegação de que foram violados os artigos 235-c, § 9º, e 244, § 2º, da CLT, bem como contrariada a Súmula nº 428, item II, do TST.
Assim, somente em sede de recurso de revista os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho definiram que o período de pernoite do motorista de caminhão não caracteriza tempo à disposição, uma vez que as funções de vigiar e de descansar são naturalmente incompatíveis, tendo enfatizado o Ministro José Freire Pimenta: “Trata-se unicamente de circunstância inerente ao trabalho desenvolvido”.
Portanto, mesmo que incontroverso o fato do empregado dormir na cabine do caminhão, não há se falar em aplicação analógica do artigo 244, §2º, da CLT, pois o sobreaviso é específico aos empregados que aguardam o chamado para o serviço em sua residência, em escala de prontidão. Se o motorista está dormindo na cabine do veículo, sendo esta peculiaridade da atividade, por óbvio que não pode estar em regime de sobreaviso, pois está impossibilitado de aguardar ou executar ordens, não caracterizando tempo à disposição do empregador.