A possibilidade de suspensão dos contratos de energia elétrica em meio à pandemia

Judiciário acena positivamente para a possibilidade de suspensão parcial dos contratos de energia elétrica em empreendimentos.

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Síntese

Em meio à crise causada pela pandemia de Covid-19, o mercado vem buscando saídas que amenizem os impactos negativos já visíveis na economia mundial. Indústria e comércio tentam cortar gastos a fim de garantir sua sobrevivência e, em uma dessas tentativas, recorrem ao Judiciário para tentar suspender contratos de energia elétrica pela modalidade de “demanda contratada” enquanto seus empreendimentos se encontram de portas fechadas.

Comentário

Não é novidade que a pandemia de Covid-19 vem impactando negativamente diversos setores da sociedade, sendo considerada por muitos como o maior desafio enfrentado pela humanidade desde a II Guerra Mundial. Sob essa perspectiva, a crise econômica predita por muitos especialistas ultrapassou seu estágio de iminência e alcançou a efetividade em curto espaço de tempo.

As necessárias, porém, drásticas medidas de distanciamento social emitidas pelas autoridades levaram muitos empreendimentos a fecharem as portas por tempo indeterminado, agravando o cenário do ponto de vista financeiro. Comércio e indústria se viram obrigados a adaptar seus negócios e a repensar suas relações contratuais, dentre as quais os contratos de fornecimento de energia elétrica. É muito comum que grandes empreendimentos adquiram esse tipo de serviço na modalidade “demanda contratada”, em que se determina a potência a ser continuamente disponibilizada pela distribuidora de energia por valor pré-fixado, a qual deverá ser integralmente paga, independentemente se utilizada ou não.

Mas e durante o período de “portas fechadas” obrigatório, decorrente da pandemia? Seriam os proprietários dos empreendimentos obrigados a arcar com valores correspondentes ao fornecimento de energia elétrica que sequer estariam consumindo? O Judiciário vem entendendo que não, que é possível, em virtude da excepcionalidade do momento, relativizar o que originalmente fora contratado entre as partes, e foi exatamente o que se observou no caso de uma empresa têxtil catarinense e de um shopping paraibano.

Em ambos os casos, as partes recorreram ao Judiciário com pedidos de tutela de urgência a fim de que os valores cobrados pelas fornecedoras de energia elétrica fossem aqueles efetivamente consumidos e não mais os estabelecidos pela modalidade de “demanda contratada”.

No caso sediado em Santa Catarina, autos nº 5005343-37.2020.8.24.0036 em trâmite perante a 2ª Vara Cível de Jaraguá do Sul, a empresa têxtil catarinense requereu a proibição da cobrança integral do contrato de fornecimento de energia elétrica até o retorno à normalidade dos volumes consumidos ou enquanto perdurar o estado de calamidade pública declarado. O pedido fundamentou-se nos valores expressivos das faturas que poderiam acarretar no desequilíbrio financeiro da empresa nesse período de portas fechadas, tendo em vista que ela já havia concedido férias coletivas a todos os seus colaboradores como forma de atender as medidas de isolamento social exigidas pelas autoridades para conter a pandemia.

O juiz designado para o pleito deferiu o pedido, tendo considerado, em sua decisão, os aspectos processuais e os impactos decorrentes da pandemia ____ definindo-a como “verdadeiro caso de força maior” ____     e  avaliado esse instituto frente ao próprio contrato firmado entre as partes, o qual tem cláusula com possibilidade de suspensão das obrigações assumidas por motivo de força maior ou caso fortuito.

Ademais, reiterou a obrigatoriedade de cumprimento dos contratos, ressaltando que a relativização do que fora pactuado se justifica, no momento, em virtude dos duros impactos econômicos causados pela Covid-19, sobre os quais a empresa autora não teria controle, figurando, portanto, como força maior, que até mesmo encontra previsão no instrumento contratual celebrado com a fornecedora de energia elétrica. Mencionou, ainda, a necessidade de manutenção do equilíbrio contratual, o princípio da preservação da atividade empresarial e a função social da empresa, esta última ao considerar que eventual desequilíbrio financeiro não atingiria apenas a autora, mas também todos os seus colaboradores e suas respectivas famílias.

A ação movida na Paraíba, por sua vez, autos nº 0824388-53.2020.8.15.2001 em trâmite perante a 12ª Vara Cível da Capital, contou com pedido de urgência de mesmo teor feito por um shopping center da capital João Pessoa, obrigado a suspender suas atividades em decorrência das medidas de segurança sanitária adotadas. Neste caso, embora não tenha sido mencionada a existência de qualquer cláusula contratual que possibilitasse a suspensão das obrigações em virtude de força maior, como ocorreu em Santa Catarina, o juiz reconheceu a situação como tal, defendendo o necessário reequilíbrio contratual e a flexibilização do que fora inicialmente contratado em virtude do cenário imprevisível e extraordinário ora vivido. A suspensão do pagamento na modalidade de demanda contratada foi concedida até a reabertura do estabelecimento comercial, não estando sujeita ao Decreto de Calamidade Pública expedido.

Em ambos os casos, o Judiciário parece ter acertado em suas decisões, o que deve ser reconhecido, visto que as dificuldades do momento englobam a inexistência de legislação específica para lidar com muitas ocorrências advindas da pandemia, obrigando os magistrados a se apoiarem em princípios e análises subjetivas. De qualquer forma, o mais seguro parece ser seguir a recomendação da quase unanimidade dos estudiosos do Direito para o momento: renegociar os contratos e flexibilizar as obrigações vigentes.

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