A demora na prestação jurisdicional, principalmente no tocante às demandas envolvendo a matéria criminal, vem sendo amplamente debatida e severamente criticada por diversos setores da sociedade. De todo modo, independentemente das posições perfilhadas, tem-se como inaceitável atribuir morosidade exclusivamente às garantias constitucionais de acusados e investigados ou ao direito de defesa.
Por certo, o processo criminal precisa se desenvolver em tempo razoável. Ou seja, não é possível prender, julgar e condenar alguém em tempo incompatível com qualquer significado que se atribua à ampla defesa (a qual exige a concessão de tempo e meios adequados para preparação da defesa).
A previsão de um julgamento em tempo razoável (adjetivo ideal, que não se confunde com rápido) remonta há séculos, desde a 6ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, do século XVIII, que assegura o direito a um julgamento público e rápido (speed and public trial). Atualmente, nada menos do que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos asseguram o direito à duração razoável do processo, ainda que nossa Constituição de 1988 não a tenha mencionado expressamente.
Entretanto, um dos grandes problemas é a inexistência de sanções para o descumprimento dos prazos previstos no Código de Processo Penal para a conclusão da investigação preliminar, seja por parte da autoridade policial ou pelo Ministério Público.
Ainda que se tenha, como regra geral, o prazo de 10 e 30 dias para conclusão da investigação para os casos de réu preso e solto, respectivamente, a maioria das investigações, por diversas circunstâncias, acabam se prolongando demasiadamente por meses ou anos. E tais excessos, notadamente injustificáveis, acabam sendo convalidados, sob o pretexto de que o posterior oferecimento de denúncia teria o condão de afastar eventual constrangimento ilegal. Esse é o entendimento jurisprudencial majoritário (AgRg no RHC 106700/MG– STJ e HC 135906/TO – STF).
Não se deve olvidar de que a complexidade do caso e a conduta da defesa podem ser prevalentes para definir a duração da investigação. Entretanto, é sobre a atuação da autoridade incumbida da investigação que recai, na maioria das vezes, tal responsabilidade, visto que não se assegura, no inquérito, a ampla defesa e o contraditório em sua plenitude.
Acrescente-se a tal quadro a edição da Súmula nº 438 do STJ (2010) que, na contramão do raciocínio tecido, vedou a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva em perspectiva, inviabilizando assim o reconhecimento do referido instituto em casos em que, possivelmente, pela duração do inquérito, já teria sido alcançado o lapso temporal exigido pelo Código Penal (artigo 109 do CP), considerando a pena hipotética aplicável ao caso em concreto.
Na mesma linha, destaca-se a alteração da redação do artigo 110 do Código Penal que excluiu a possibilidade da incidência da prescrição retroativa utilizando-se o período transcorrido entre a data do fato e o recebimento da denúncia (período equivalente a investigação preliminar). É inquestionável o desacerto de tais medidas.
Ora, por certo, a demora injustificada da prestação judicial pode gerar consequências. Nesse sentido, inclusive, observa-se a possibilidade de aplicação da atenuante genérica prevista no Código Penal (art. 66) viabilizando a postulação de redução da pena diante da ineficiência estatal.
De todo o modo, recentemente, a 6ª Turma do STJ, por maioria, reconheceu no HC nº 480.079/SP a existência de constrangimento ilegal pela demora de mais de um ano para o Ministério Público Federal apresentar denúncia. Em tal caso, a investigação já se encontrava encerrada, ensejando, assim, concessão de habeas corpus para trancamento do Inquérito.
Conforme o relator Min. Sebastião Reis Júnior, houve evidente excesso de prazo, uma vez que não restou esclarecido o motivo da demora por parte do órgão de persecução (que deu andamento regular para os demais investigados, que foram denunciados), não se confundindo a medida com eventual interrupção antecipada das investigações.
Destaca-se, ainda, do voto que ‘a garantia da razoável duração do processo vigora tanto para o procedimento judicial como para o apuratório pré-processual, devendo basear-se não só no critério aritmético de tempo, mas também nas nuances da persecução.’
Assim, ainda que discreto, tal julgado é um avanço jurisprudencial que merece destaque, visto que os holofotes estão voltados para sugestões de medidas que em nada contribuem para a aplicação e efetivação das garantias processuais – ainda que visem ‘acelerar’ o processo criminal (que não se confunde com assegurar a duração razoável, conforme demonstrado).
Nesse sentido, é necessário buscar o melhor aparelhamento dos órgãos de persecução, além de reestruturar a Justiça com a aplicação do sistema acusatório em todas suas características, desde medidas alternativas até o princípio da oportunidade da ação dentre outros, que possam contribuir efetivamente para a duração razoável.