Os impactos da pandemia causados pela COVID-19 sobre a execução dos contratos públicos são tão evidentes quanto intensos. Os inúmeros textos a respeito do tema dão conta da profunda crise que abala os vínculos contratuais da Administração Pública, afetando cada contrato desigualmente: obras que terão seus cronogramas revistos, atividades que serão interrompidas e serviços públicos essenciais que deverão ser mantidos independentemente da drástica queda de demanda. O desafio imposto aos gestores públicos e aos contratantes privados é enorme.
Num cenário de tamanha extraordinariedade, as ferramentas tradicionais do Direito Administrativo podem se mostrar defasadas. A assunção do risco contratualmente alocado ou a utilização de instrumentos habituais de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro podem ser insuficientes para assegurar a higidez do contrato e a continuidade dos serviços públicos em níveis adequados.
Como aumentar tarifas se há uma inadimplência crescente dos usuários, dependentes de serviços essenciais? Como reduzir investimentos em atividades imprescindíveis para a recuperação econômica pós-pandemia?
As circunstâncias, portanto, demandam respostas institucionais criativas, sem deixar de observar os limites impostos pelo Direito. E é nesse contexto que a (re)negociação dos contratos aparece como uma alternativa legítima para fazer frente à disseminada crise contratual.
A (re)negociação dos contratos sempre foi permitida pelo ordenamento jurídico junto à Administração Pública e aos seus contratados. Desde a disciplina da Lei nº 8.666/1993 até diplomas normativos mais recentes, a legislação recepciona a negociação entre as partes como uma forma de atualizar as bases contratuais à dinâmica da realidade.
Essa realidade é ainda mais presente nos contratos públicos de longa duração, como as concessões de serviços públicos e as parcerias público-privadas. A incompletude do seu regramento e o dinamismo das demandas sociais torna a mutabilidade contratual um dado inevitável, integrante da própria essência da avença.
Com isso, é natural que a ampla renegociação surja como um instrumento eficiente para dirimir crises contratuais profundas como as provocadas pela pandemia decorrente do coronavírus. Trata-se, em última análise, de concretizar a segurança jurídica advinda da certeza da mudança, destacada por diversos autores – como Egon Bockmann Moreira – que estudam o tema.
Por óbvio, a negociação de contratos públicos em momentos de crise não pode ser realizada em desobediência aos pressupostos legais. É fundamental que se dê ampla publicidade ao processo, com participação aos interessados, sem desnaturar o objeto contratado.
No entanto, isso não obsta um amplo processo de renegociação contratual: visões tradicionais de absoluta intangibilidade do pacto original, como uma sacralização ao princípio da licitação, não só não possuem respaldo no direito vigente como tendem a sacrificar a continuidade de serviços públicos em nome de ritos estritamente formais.
Não há, assim, qualquer vedação no ordenamento jurídico para que esses processos de renegociação contratual sejam conduzidos pelas partes nos casos concretos. Nada impede, porém, a aprovação de medidas que visem acomodar e dar maior segurança a essas negociações.
Uma dessas medidas é o Projeto de Lei nº 2.139/2020, em trâmite no Senado Federal, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas contratuais da Administração Pública. Entre outros aspectos, o regime transitório possibilita expressamente a revisão do cronograma de serviços ou de investimentos contratados a partir de plano de contingência a ser elaborado pelo contratado.
Além disso, o PL também prevê que, por acordo entre as partes, poderá ser estabelecida uma nova equação econômico-financeira para o contrato, com revisão, inclusive, da matriz de riscos originalmente prevista.
Embora transitória, é uma disciplina bastante ousada, que se propõe a solucionar os sérios impasses encontrados a partir de arranjos criativos e disruptivos.
Assim, embora inúmeras cautelas devam ser adotadas nos processos de (re)negociação de contratos públicos que se desenvolverão, o momento deve ser visto pelos gestores públicos, controladores e agentes privados como uma oportunidade para modernização das práticas contratuais. Aprimoramentos institucionais obtidos em uma conjuntura de crise podem – e devem – ser fomentadas e incorporadas no dia a dia da Administração, com vistas à ampliação de sua eficiência e efetividade.