A responsabilidade do fornecedor por produto com vício diante do novo posicionamento do STJ

Novo entendimento do STJ impõe ao fornecedor o encaminhamento do produto com vício à assistência técnica.
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Wyvianne Rech Zanicotti

Advogada egressa

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Síntese

Em sede de julgamento do Recurso Especial nº 1.634.851/RJ, o Superior Tribunal de Justiça, a partir de uma interpretação do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, consignou que incumbe à empresa fornecedora, assim desejando o consumidor, a responsabilidade pelo encaminhamento de produto à assistência técnica para saneamento do vício no prazo de trinta dias.

Comentário

Ao consignar pela responsabilidade do comerciante/fornecedor quanto à disponibilização e prestação de serviço de assistência técnica em caso de vício do produto, o Superior Tribunal de Justiça promoveu efetiva revisão de sua jurisprudência consolidada acerca da temática.

Em oportunidades anteriores, especialmente nos Recursos Especiais nº 1.411.136/RS e nº 1.459.55/RJ – ambos provenientes de Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público dos Estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, respectivamente – a Corte havia pacificado entendimento de que, por mais que os fornecedores fossem solidariamente responsáveis pelo saneamento de eventuais vícios no produto no prazo máximo de 30 (trinta) dias, “disponibilizado serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade [município] do estabelecimento comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos”.

Isto é, dentro do referido prazo, a empresa fornecedora não poderia ser obrigada a receber o produto com vício de qualidade e encaminhá-lo direta e imediatamente à assistência técnica. Afigurar-se-ia legítimo, portanto, orientação ao adquirente do produto com vício para se dirigir à assistência técnica especializada e credenciada, como mecanismo de facilitação e economicidade ao próprio consumidor.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça caminhava no sentido de que imputar tal responsabilidade ao fornecedor consistiria em irrazoável intervenção do Poder Judiciário, constituindo em regra geral uma casuística não abarcada previamente pelo Código de Defesa do Consumidor. Tal entendimento, inclusive, parecia ir de encontro com anterior posicionamento do Congresso Nacional, o qual já deliberou, em outras oportunidades, pelo arquivamento de Projetos de Lei que estabeleciam tal obrigação aos fornecedores – vide arquivamento do Projeto de Lei nº 5.667/05.

No entanto, no recente julgamento proferido pela Corte em questão –  também proveniente de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro –, substituindo seu entendimento por nova interpretação do disposto no art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), a Ministra Relatora consignou que não seria razoável repassar ao consumidor ônus ao qual não teria dado causa, de tal modo que a incumbência do encaminhamento do produto com vício à assistência técnica caberia aos fornecedores. O gasto adicional na cadeia de consumo, portanto, não pode ser suportado pelo consumidor – que deve escolher a alternativa que lhe seja menos onerosa ou embaraçosa.

Os principais fundamentos jurídicos utilizados para se chegar à esta conclusão consistiram na boa-fé objetiva que deve ser observada pelo fornecedor na condução de suas atividades, bem como na solidariedade imposta na cadeia de consumo pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor.

Em que pese haver certa procedência quanto à boa-fé como norte na condução dos negócios pela empresa fornecedora, cabe ressalvar que uma prévia orientação do consumidor à busca de assistência técnica não consiste, necessariamente, em tentativa de isenção de responsabilidade por parte do fornecedor do produto. Trata-se de mecanismo construído a partir da logística disposta pela empresa no gerenciamento de sua mercadoria e no atendimento de seus clientes. Proposital ou intuitivamente, esta prioridade atende à lógica dos custos de transação, idealizada para ser economicamente eficiente ao próprio consumidor.

Por fim, é necessário ter cautela e indagar se, com o recente julgado proferido pela Corte Superior, os gastos adicionais na cadeia de consumo – com transporte e alojamento dos produtos com vício, por exemplo – efetivamente passarão a ser arcados tão somente pelos fornecedores. Mesmo que possa parecer, num primeiro momento, decisão vitoriosa aos consumidores em geral, é provável que o incremento de tais custos seja repassado ao valor final do produto. Caso sobrevenha tal cenário, o consumidor terá de pagar mais caro por produto que pode sequer apresentar vício e demandar o respectivo conserto, indo de encontro com a racionalidade econômica estabelecida sob a sistemática anterior.

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