ADI 5906: o salvo-conduto para Normas Regulamentares Punitivas da ANTT?

A ANTT teve seu poder normativo sobre infrações administrativas validado pelo STF. Mas é preciso cuidado para verificar o limite desse poder.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

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Síntese

O Supremo Tribunal Federal (STF), em recente julgamento da ADI n.º 5906, reconheceu que, na existência de requisitos mínimos fixados em lei, as agências reguladoras, como a ANTT, poderão definir infrações. Contudo, esse poder não é ilimitado já que, além da expressa previsão legal, as Agências não poderão criar normas para o qual não exista um conceito genérico prévio em lei.

Confira o que deve ser observado para reconhecer os limites de criação de tipos infracionais pelas Agências.

Comentário

Em 27.04.2023, transitou em julgado o acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 5906, que reconheceu o poder normativo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para dispor sobre infrações administrativas. A ação foi proposta para declarar a inconstitucionalidade contra os artigos 24, VIII e 78-A da Lei n.º 10.233/2001, para dar interpretação conforme a Constituição e apontar que os artigos não permitem a tipificação de ilícitos administrativos por meio de atos infralegais. A ADI visou ainda a inconstitucionalidade da Resolução n.º 233/2003 da ANTT, que criou infrações administrativas.

Entendendo o caso:

A Lei n.º 10.233/2001 criou a ANTT e estabeleceu as balizas de atuação da Agência, bem como seus objetivos, funções e poderes.  Em seu art. 24, inciso VIII a referida lei aponta que é atribuição da ANTT “fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidade pelo seu descumprimento.”. Já o art. 78-A aponta a quais sanções estão sujeitos aqueles que descumprirem os deveres estabelecidos em lei e nos contratos de concessão.

Os artigos supracitados constituem a suposta autorização legislativa para que a ANTT expedisse normas regulamentares sancionadoras. Nesse contexto, insere-se a Resolução n.º 233/2003, que regulamenta a imposição de penalidades, por parte da ANTT, no que tange ao transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.

A ADI 5906 desafiou a constitucionalidade dessa estrutura normativa (legal e infralegal). Seu julgamento, no entanto, estabeleceu balizas gerais para o normativo-punitivo de Agências Reguladoras. E nesse sentido, por maioria, o STF julgou improcedente a ação direta, para declarar a constitucionalidade do art. 24, XVIII, e do art. 78-A da Lei n.º 10.233/2001, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes.

De acordo com o entendimento proferido pelo voto vencedor, as Agências Reguladoras são autarquias especiais. Cabe ao Poder Legislativo criá-las por meio de lei e definir suas finalidades, objetivos básicos e estrutura. Aponta também, que a lei configura standards, ou seja, se não houver expressa delegação legal, não poderá a ANTT inovar primariamente a ordem jurídica e nem regulamentar matéria para a qual inexiste um prévio conceito genérico.

Além disso, a decisão reconhece que a Lei n.º 10.233/2001 fixou os critérios mínimos indispensáveis para o exercício da competência sancionadora pela prática de infrações administrativas e que a Resolução n.º 233/2003 atacada obedece às diretrizes legais por proteger os interesses dos usuários.

Destaca-se ainda que, no voto vencedor, o Ministro Alexandre de Moraes faz apontamentos centrais do que deve ser observado na legislação criadora e autorizadora da Agência Reguladora. Segundo o relator “a delegação congressual desta matéria fixou como stardard zelar pela qualidade e pela oferta de serviços de transportes (…) em clara delimitação legal da diretriz à qual a ANTT deve se ater no exercício da atividade regulatória do serviço de transporte”. E segue argumentando que “todos esses elementos evidenciam que, no exercício do poder normativo que lhe foi congressualmente delegado, a ANTT não dispõe de liberdade absoluta para inovar no ordenamento jurídico, em matéria de infrações administrativas, tanto no que concerne à previsão, geral e abstratas, de condutas caracterizadoras de ilícito administrativo e à cominação de sanções”.

Pode-se dizer que o STF reafirmou o seu posicionamento de reconhecer que a ANTT possui poderes para tipificar condutas e sancionar infratores dentro do escopo de seus objetivos previstos em lei e dentro dos parâmetros estabelecidos nela.

Exposto isso, a decisão traz um desafio maior no enfrentamento das inúmeras sanções previstas por normas regulamentadoras da ANTT e de outras agências reguladoras. Isso porque não há mais espaço para mera alegação de ilegalidade ou de inconstitucionalidade da norma. Mas há enorme espaço a verificar se a norma sancionadora infralegal está ou não conectada com a delimitação legal. Aqui, a ADI 5906 revela o contrário: que a criação desses tipos infracionais é inconstitucional. E essa inconstitucionalidade vale não só para ANTT, mas também para as demais agências reguladoras.

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