Afinal, o uso do celular no ambiente de trabalho pode ser restringido pelo empregador?

Greve no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) suscita questionamentos sobre o uso do celular durante a jornada de trabalho.
Geovana-de-Carvalho

Geovana de Carvalho Filho

Advogada da área de direito do trabalho

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Empregados terceirizados do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, protagonizaram, no último mês de outubro, uma greve contra as restrições do uso do celular no ambiente de trabalho, cujos desdobramentos vieram a afetar mais de 30 voos e culminaram na demissão de cerca de 300 trabalhadores.

Chamados aeroauxiliares, esses empregados desempenham relevante função na dinâmica dos aeroportos, em atividades no solo, rampa e pista. Dentre essas atividades, estão os serviços de tratamento geral de bagagens e cargas.

No Aeroporto de Guarulhos, os aeroauxiliares promoveram uma passeata em face da determinação da Receita Federal que havia proibido a utilização dos celulares em áreas do aeroporto consideradas “sensíveis” em nível de segurança. De acordo com nota emitida pela Receita, o acesso aos celulares havia sido restrito a fim de deter o crime organizado, mormente após o episódio envolvendo duas brasileiras que tiveram a etiqueta de suas bagagens trocadas por agentes infiltrados e, como decorrência disso, foram presas indevidamente na Alemanha por porte de drogas.

De todo o contexto apresentado em prelúdio, suscita-se: a restrição ao uso dos celulares durante a jornada de trabalho, seja nos aeroportos ou em outros postos de serviços, é legítima?

A grande tese utilizada pelos grevistas de Guarulhos para defender o acesso aos aparelhos está amparada nos prejuízos causados pela incomunicabilidade no atual cenário da sociedade, de grande fluidez nas trocas de informações. Segundo os auxiliares de transporte, a comunicação com os familiares não poderia ser tolhida, principalmente quanto àqueles que necessitam de monitoramento e cuidados especiais, como idosos e crianças.

Em contraposição, a Receita Federal e os Sindicatos Patronais atuantes nos aeroportos justificam a restrição na garantia da segurança aeroportuária, tendo-se em conta que o uso do celular compromete a concentração durante a prestação de serviços e, por conseguinte, torna as operações mais vulneráveis a erros e fraudes. A jurisprudência majoritária dos tribunais trabalhistas aponta para a validação deste último entendimento.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem se posicionado no sentido de que a proibição ao uso de aparelho celular durante o expediente não importa em prática de conduta antijurídica pelo empregador, desde que prevista a vedação no regimento interno da empresa, no contrato de trabalho ou em dispositivo legal específico.

Decisões recentes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) seguem a mesma linha de que a proibição reflete o simples exercício do poder diretivo do empregador, dentro dos limites da razoabilidade, porquanto tal equipamento viabilize que o trabalhador interrompa suas atividades a qualquer momento para se dedicar a questões particulares, nem sempre urgentes. A validação da vedação é ainda mais nítida quando se está a tratar de profissões que exigem plena atenção ou fundamentadas em segredos industriais.

Portanto, mesmo no atual contexto de comunicações instantâneas, a jurisprudência se inclina a admitir o uso do telefone celular apenas se a prestação de serviços o justificar, isto é, se relacionado à execução das atividades em si. Caso contrário, permite-se ao empregador a imposição de medidas restritivas ao uso ou, ainda, a aplicação de penalidades disciplinares, de forma gradual e proporcional (cabe salientar que, nesses casos, a jurisprudência majoritária não admite a justa causa como penalidade direta e única, por não se revelar conduta grave o suficiente).

Nada obstante o entendimento extraído dos julgados da Justiça do Trabalho, a razoabilidade e a análise dos ocorridos recentes, a exemplo do episódio de plano desde artigo, no Aeroporto de Guarulhos, recomendam a cautela na imposição de medidas radicais.

Alternativas como a liberação do uso dos aparelhos durante os períodos de intervalo, a disponibilização, pelo empregador, de canais facilitados para contatos urgentes (quando necessários), exposições aos colaboradores sobre as minúcias dos procedimentos de segurança adotados e sua importância para o fluxo das operações e a abertura a meios alternativos de acesso à informação durante o expediente que não comprometam a sua execução segura, certamente podem contribuir para um cenário de mitigação dos extremos, em que se preserve a segurança laboral, por um lado, e se evite um quadro de insatisfação dos colaboradores, por outro.

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