Alteração do estudo de impacto de vizinhança e a mobilidade urbana: mesmice ou inovação?

Congresso amplia análise de impactos urbanos, mas desafios persistem: novo escopo do EIV pode afetar mobilidade e justiça espacial nas cidades?
Roberto-Maluf

Roberto Maluf Filho

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

O PL 169/2020 amplia o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), integrando a avaliação da mobilidade urbana. Isso reforça o planejamento urbano e os nove direitos constitucionais para uma cidade mais inclusiva. Reconhece-se a importância da mobilidade em um contexto de desigualdades urbanas, onde o transporte motorizado é favorecido. A eficácia na melhoria da mobilidade dependerá da implementação das alterações promovidas no EIV e acompanhamento das gestões municipais.

Comentário

Importante instrumento de política urbana, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) poderá ter seu escopo ampliado no que se refere à análise prévia das consequências da construção de empreendimentos. Aprovado no Senado no início de abril de 2024, o PL 169/2020, de autoria de diversos deputados, altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), incluindo o conceito de mobilidade no inciso V do art. 37. O projeto, agora, segue para sanção presidencial.

Os EIVs são mecanismos criados à semelhança do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para avaliação prévia de implementação de projetos, como construções ou empreendimentos, determinando os efeitos que terão sobre a área circundante e comunicando-os à população e à gestão municipal. Em termos jurídicos, o EIV acompanha o requerimento do pedido de licença ou autorização de construção, ampliação ou de funcionamento do empreendimento, ou atividade, concedido pelo Poder Público municipal, de modo que alguns autores defendem que sua natureza jurídica é de “limitação administrativa”.

É certo que o dispositivo ora alterado já previa que o EIV considerasse, entre outros aspectos, os efeitos positivos e negativos do empreendimento sobre a geração de tráfego e demanda por transporte público. A justificativa apresentada pelo Senador Zequinha Marinho (PODEMOS/PA), relator da matéria no Senado, para se incluir a expressão “mobilidade urbana” naquele inciso foi “ampliar o escopo da análise para englobar todo o Sistema de Mobilidade Urbana”, em especial as formas não motorizadas de deslocamento e sua interrelação com os demais modais de transporte urbano.

A alteração, se sancionada, representará o fortalecimento do Direito Constitucional e Administrativo moderno, prestigiando, de um lado, o direito à cidade e a política de planejamento urbano, bem como, de outro, atendendo a função de planejamento do Estado regulador e a valorização de procedimentos e de estudos que subsidiam a decisão dos gestores públicos, tal como o EIV.

Para além do juridiquês óbvio, em um país em que a mobilidade urbana é um bom indicador de desigualdade nos principais centros urbanos, a previsão de que o EIV – que deverá ser considerado pelas autoridades públicas municipais na análise de licenças e autorizações
expedidas – abarque os efeitos de projetos sobre a mobilidade em sentido amplo e à luz das diferentes formas de deslocamento urbano é um bom passo para se construir cidades mais acessíveis e igualitárias.

Mobilidade urbana é um tema caro, principalmente aos moradores de grandes centros urbanos, mas que nem sempre recebe a devida atenção. A convivência daqueles com o trânsito é diária e naturalizada, uma vez que o problema decorre de diversas falhas no planejamento da maioria das metrópoles brasileiras e à priorização histórica do transporte motorizado – principalmente o individual – em detrimento de outras formas transportes, incluindo o coletivo e veículos não motorizados.

Esses efeitos afetam a população de forma desigual. Na cidade de São Paulo, as áreas com os piores indicadores de urbanidade e justiça espacial são aquelas em que o deslocamento de seus os moradores até o trabalho é maior. Essas mesmas áreas coincidem com bairros periféricos, longe dos centros financeiros e distritos corporativos. Nem mesmo a experiência pandêmica do trabalho remoto ou o crescimento de transportes alternativos e ciclovias na cidade alterou essa realidade. Ainda é viva a discussão na Vila Olímpia e na Faria Lima sobre qual é o pior e o melhor dia para se ir ao escritório em termos de deslocamento.

Como já mencionado, os benefícios jurídicos desta alteração do Estatuto da Cidade e do escopo do EIV são notórios; contudo, também é certo que ainda se encontram em plano abstrato. Vale acompanhar a utilização dos estudos de impactos para identificar eventuais benefícios práticos à mobilidade urbana das pessoas a partir dos projetos e empreendimentos licenciados e autorizados pelas gestões municipais.

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