Antigos e atuais proprietários rurais podem responder por danos ambientais causados em área de APP 

Em julgamento do Tema 1204, o STJ definiu a obrigação de atuais e antigos proprietários na preservação de APPs situados no interior de imóveis rurais.
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Rodrigo Gomes Canesin

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

Em julgamento sobre o Tema 1204, o STJ decidiu que a responsabilidade pela preservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) situadas dentro de imóveis rurais é objetiva e solidária, recaindo sobre todos seus proprietários, atuais ou não, além de declarar a natureza propter rem das obrigações ambientais. A decisão considerou aspectos integrantes da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1987) e do Código Florestal (12.651/2012) e serve como marco de proteção destas áreas.

Comentário

Imagine a situação: você alcança seus objetivos de vida, consegue um padrão de vida desejável e ao final de longa jornada decide se aposentar e viver no interior.

Você, então, visita um imóvel rural que tem, em sua extensão, um trecho de área de preservação permanente (APP), e de pronto fica encantado com a existência de uma clareira com uma casa com piscina em um trecho de bosque. Distante da cidade, o silêncio e a beleza natural são um chamativo especial para reunir a família aos finais de semana. O negócio é fechado.

Para o direito ambiental, há um problema nesta história. Ser proprietário de um imóvel rural traz obrigações ambientais inafastáveis, dentre elas a de manutenção e preservação de APP.

Tirante situações excepcionais, a construção ou qualquer outra intervenção em área de preservação permanente é vedada pelo Código Florestal, atraindo a responsabilidade administrativa, cível e ambiental em caso de inobservância da lei.

Não há dúvidas de que a construção e existência de uma casa, como retratado na história, no interior de APP caracteriza degradação. Mas, uma vez que houve a alienação do imóvel, de quem seria a responsabilidade sobre este dano? Dos antigos proprietários que promoveram a intervenção ilegal em área de APP ou do atual detentor do domínio? Apesar de parecer uma discussão simples onde a responsabilidade do dano seria de quem o causou, é necessário aprofundar-se, uma vez que o direito ao meio ambiente atrai implicações de maior complexidade.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se debruçou sobre o tema, delimitando assim uma solução: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

O cerne da controvérsia tratava de caso em que o Ministério Público de São Paulo apurou, por meio de Inquérito Civil, a degradação e utilização para fins de lazer de APP inserida em imóvel rural. A ação objetivava o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer relativas à preservação e recomposição da área, porém, de acordo com a ex-proprietária do imóvel, ela não poderia dar cumprimento às obrigações, uma vez que o imóvel já teria sido alienado.

Resolvendo a questão, o STJ solidificou entendimento majoritário de que a obrigação de reparação dos danos ambientais possui três principais características, interdependentes entre si, a saber:

  • Obrigação propter rem, ou seja, as obrigações estão intrinsicamente vinculadas ao bem em si, e não apenas ao sujeito que o causou;
  • Responsabilidade objetiva, não exigindo comprovação de culpa do autor do dano, bastando sua constatação e nexo de causalidade envolvido, uma vez que independentemente de terem causado diretamente o dano ambiental, os proprietários podem se beneficiar da degradação ambiental alheia;
  • Solidariedade, o que significa que o credor do dano ambiental tem a opção de direcionar sua pretensão contra os antigos proprietários, o atual, ou ambos, desde que, evidentemente, comprovadas suas ações ou omissões para a ocorrência/manutenção do dano dentro do imóvel.

Situação particularizada pelo STJ é a do anterior titular que não deu causa a dano ambiental ou à irregularidade. Em síntese, não estará ele obrigado a satisfazer a obrigação ambiental quando comprovado que não causou o dano, direta ou indiretamente, e que este é posterior à cessação de sua propriedade ou posse.

A decisão leva em consideração aspectos integrantes da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1987) e do Código Florestal (12.651/2012) e traz um norte seguro a ser seguido em decisões análogas, amarrando de forma contundente três pilares de caracterização da responsabilidade ambiental.

Para além dos aspectos puramente ambientais, a decisão também abordou questões processuais relevantes, cabendo destaque à previsão do Código de Processo Civil, segundo a qual quando impossível conceder tutela específica que envolvam prestações de fazer e não fazer, a consequência não é a improcedência, mas a conversão em perdas e danos. Este entendimento é crucial para garantir a efetividade das obrigações ambientais, uma vez que a impossibilidade de cumprimento da obrigação não impediria a responsabilização do devedor.

Finalmente, considerando a importante delimitação das obrigações ambientais, pode-se afirmar que a decisão representa um avanço significativo na jurisprudência brasileira no que diz respeito à responsabilidade ambiental. Ela estabelece diretrizes claras para a responsabilização de proprietários em casos de danos ao meio ambiente, enfatizando a necessidade de preservação ambiental e a solidariedade na reparação de danos. Da mesma forma, serve de orientação para aquisições de áreas restringidas por APPs. Revela-se crucial, em operações dessa natureza, uma rigorosa due diligence ambiental, a fim de evitar dissabores de uma futura responsabilização.

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