Aplicabilidade do CDC em contratos de crédito para fomento de atividade agrícola

TJSP entende pela aplicabilidade do CDC em contratos de crédito firmados por produtores rurais para fomento da atividade agrícola.
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Fernando Ribeiro Suzuki

Advogado egresso

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Síntese

A discussão acerca da aplicabilidade do CDC em contratos de financiamento para fomento de atividade agrícola já vem de longa data sendo tratada pelos Tribunais. A jurisprudência vinha sendo definida em sentido negativo para os produtores rurais. Entretanto, o TJSP, em recente decisão, modificou seu entendimento e aplicou o Código Consumerista em caso envolvendo contrato de financiamento firmado entre produtor rural e uma cooperativa de crédito.

Comentário

Em julgamento realizado em 15 de fevereiro de 2019, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a uma relação de crédito travada entre pequeno produtor rural e cooperativa de crédito integrante do sistema financeiro nacional. A decisão, proferida nos autos da apelação n° 1000508-76.2017.8.26.0698, considerou que o fato de o produto do financiamento ser aplicado para fomento da atividade agrícola não afasta a incidência do CDC e que a cooperativa de crédito agrícola se equipara a instituição financeira, quando devidamente registrada no sistema financeiro nacional.

O ponto que surpreende na decisão é o fato de que tanto a jurisprudência do TJSP quanto a jurisprudência do STJ se firmaram no sentido da inaplicabilidade da legislação consumerista em contratos de crédito para fomento da atividade agrícola. Até então, entendia-se, predominantemente, que a utilização do financiamento para incremento da atividade profissional do agricultor impedia o reconhecimento do produtor rural como destinatário final do produto creditício e, por consequência, obstaria seu enquadramento no conceito de consumidor.

Muito embora a decisão do TJSP expresse um entendimento minoritário e esteja calcada em precedente antigo do STJ, demonstra que a discussão a respeito do enquadramento do produtor rural como consumidor não foi completamente abandonada. Esse debate tem profundos impactos nas relações de crédito agrícola, especialmente no que se refere à possibilidade de ajuizamento de ações revisionais.

É evidente, não só no caso de pequenos produtores rurais, que há uma disparidade técnica entre as instituições financeiras (ainda que cooperativas de crédito) e o produtor rural. Nesse sentido, o enquadramento do produtor rural à condição de consumidor em contratos de crédito é um mecanismo importante para suprir essa hipossuficiência técnica e equalizar o ambiente da discussão judicial (com a concessão da inversão do ônus da prova, por exemplo). Notadamente, influi nas chances de êxito nas ações judiciais envolvendo contratos de financiamento.

A jurisprudência majoritária, entretanto, considera que houve um significativo incremento da atividade rural nas últimas décadas. A min. Nancy Andrighi, por exemplo, já há tempos defende que o produtor rural de hoje não é o rurícola de pés descalços e sem qualquer acesso a informação (REsp 803481/GO). E, de fato, este avanço também está refletido no uso de contratos creditícios complexos, como a compra e venda de safra futura a preço certo, para fomentar a atividade agrícola de pequenos e grandes produtores.

O aumento da complexidade das atividades rurais vem acompanhado de um movimento natural do mercado e da jurisprudência em exigir um aumento do profissionalismo no agronegócio, inclusive no que se refere ao consumo de crédito. O entendimento do produtor rural como um fornecedor de produtos no mercado como qualquer outra empresa – e, por consequência, o afastamento da sua condição de destinatário final do crédito utilizado para fomento da sua atividade – é apenas expressão dessa exigência.

Exatamente por isso, o entendimento expresso na decisão do TJSP não é suficiente para eximir o produtor rural da obrigação de ser diligente em suas contratações. Isto porque se de um lado ainda é minoritário o entendimento pelo enquadramento do produtor rural na condição de consumidor, de outro o reconhecimento jurisprudencial da aplicabilidade do CDC não impede uma reação por parte das instituições financeiras, seja pelo encarecimento do crédito rural, seja pelo aumento de entraves administrativos para a concessão de crédito aos mutuários com ações revisionais em andamento.

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