Arbitragem como mecanismo de concessão de reequilíbrio econômico-financeiro no setor aeroportuário

Recente disputa envolvendo concessão aeroportuária indica a relevância da matriz de risco diante de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro.
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Caio César Bueno Schinemann

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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A complexidade técnica, econômica e jurídica dos contratos de concessão aeroportuária torna a arbitragem opção natural de mecanismo de solução de disputas, sobretudo se consideradas as inovações legislativas ____ nomeadamente, a reforma da Lei de Arbitragem em 2015 e o Decreto
n.º 10.025/2019 ____ que tornaram o cenário jurídico da arbitragem com a Administração Pública sensivelmente mais seguro.

É de especial relevância, nesse campo, o Decreto n.º 10.025/2019, ao afirmar ____ ainda que em caráter exemplificativo ____ os setores que podem se valer da arbitragem e quais disputas podem ser submetidas ao juízo arbitral.

A este título, o art. 1º do referido decreto expressamente prevê a sua aplicação aos contratos do setor aeroportuário. O art. 2º, por sua vez, indica a arbitrabilidade de direitos patrimoniais disponíveis decorrentes destes contratos, formulando rol exemplificativo que estabelece como tal questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria; e o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo.

No setor aeroportuário há exemplo significativo no Caso Viracopos, que segue em curso, mas no qual já houve a prolação de sentença parcial.

A arbitragem do Caso Viracopos discute, sobretudo, a revisão extraordinária do contrato de concessão. A concessionária argumenta a existência de diversas circunstâncias, ao longo da concessão, que desequilibraram o contrato, requerendo, a este título, a condenação do Poder Concedente ao pagamento de indenizações ou à imposição de medidas para que houvesse a restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Em relação ao pedido de “perdimento de bens”, o Tribunal Arbitral considerou que, na alocação de riscos do contrato, o risco em questão (pagamento pelos usuários dos serviços) era atribuído à Concessionária e não ao Poder Concedente. A questão envolve a responsabilidade da Receita Federal pelo pagamento de valores referentes à guarda de bens. A sentença parcial considerou a Receita Federal como “usuária” de serviço prestado pela Concessionária e, nessa medida e a partir da matriz de riscos contratualmente desenhada, afastou a responsabilidade do Poder Concedente por qualquer inadimplemento da “usuária” Receita Federal.

Outro aspecto analisado foi a “não implementação do Trem de Alta Velocidade (TAV)”. Novamente, em análise à matriz de riscos, entendeu o Tribunal Arbitral que tal aspecto estava abrangido pelos riscos assumidos pela Concessionária na contratação.

Houve abordagem de item referente à “ausência de desapropriações”. Embora não tenha havido decisão definitiva sobre o tema, o Tribunal Arbitral já adiantou que a disponibilização das áreas desapropriadas não precisava ocorrer imediatamente após o início do prazo contratual e que o Poder Concedente dispunha de prazo razoável para entregar as áreas desapropriadas. A questão, em caráter principal, no entanto, será enfrentada após a produção de provas.

Sem realizar qualquer juízo de valor acerca do acerto ou não da decisão dos árbitros nesse caso concreto, o Caso Viracopos é exemplo significativo da relevância desempenhada pela matriz de riscos do contrato, em especial quando tal matriz de riscos é submetida a mecanismo de solução de disputas qualificado, como a arbitragem.

Embora a relevância concreta da matriz de riscos seja observada sobretudo diante de um litígio já verificado, inclusive com arbitragem instaurada, o seu caráter é primordial desde a fase
pré-contratual. Primeiro, porque a matriz de riscos desempenha papel fundamental na própria negociação contratual. A distribuição de riscos entre as partes com o propósito de obter um contrato equilibrado é o momento em que há maior disposição de ambas as partes para concessões recíprocas e, com isso, formular um contrato de execução mais facilitada.

De outro lado, ainda na fase pré-contratual, é o desenho da matriz de riscos que permite a tomada de decisões informadas sobre a concessão, no que se inclui, em última análise, a própria viabilidade de assumir tal contratação.

Em suma, diante de uma matriz de riscos bem estabelecida no contrato, há pouco espaço para inovação na discussão arbitral. O momento para que se discuta a alocação de riscos, necessariamente, precede quaisquer disputas.

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