Arrasta pra cima: sucessão do patrimônio digital após a morte

TJSP decide que pais não podem acessar o Facebook da filha falecida, ampliando o debate sobre a herança digital e a estratégia de sucessão.
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Paulo Pereira

Advogado egresso

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Síntese

A herança digital permite preservar nossas memórias e garantir a transmissão de bens virtuais aos sucessores. Além disso, o conceito também protege o uso e compartilhamento de informações confidenciais, permite acesso a bens financeiros digitais e plataformas de redes sociais após a nossa morte. É importante ter uma estratégia de herança digital que garanta o cumprimento dos nossos desejos e que possibilite a preservação do patrimônio e da memória.

Comentário

Em decisão recente, a 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entendeu pela inviabilidade de acesso pelos pais de rede social pertencente à filha falecida, sob o argumento de que se trata de direito personalíssimo sem qualquer conteúdo patrimonial. Na ocasião, os pais utilizavam o perfil da filha após sua morte, eis que possuíam acesso ao seu usuário e senha, mas que tiveram o seu acesso interrompido com a exclusão do perfil.

A Meta Platforms Inc., responsável pelo Facebook, justificou que os termos de serviço proíbem a transmissão de senhas para terceiros e que tal conduta, por si só, viola as condições da plataforma e justifica a remoção do perfil. Além disso, a empresa de tecnologia argumentou que os usuários podem manifestar, em vida, o destino a ser dado à sua rede social em caso de óbito: a exclusão da conta ou a sua manutenção, indicando um contato herdeiro.

O Tribunal de Justiça deu razão ao Facebook e ponderou não haver regramento jurídico específico sobre herança digital e que sequer o Marco Civil da Internet ou Lei Geral de Produção de Dados se debruçaram expressamente sobre o tema. Assim, devem prevalecer as regras constitucionais e civilistas que vedam a transmissão, após a morte, de direitos considerados personalíssimos — acesso a perfis de redes sociais e aplicativos de conversas privadas, por exemplo — impedindo o acesso dos familiares.

A decisão do Tribunal paulista expõe um vácuo legislativo que afeta substancialmente os patrimônios e informações considerados digitais: redes sociais, aplicativos de conversas privadas, acesso às contas de plataformas de criptoativos e de apostas, itens e acessórios de jogos eletrônicos, entre outros bens que possuem características únicas e que os tornam individuais.

Não é mistério que o acervo financeiro de uma pessoa pode ser, em todo ou em parte, digital. Personalidades, chamadas de youtubers, streamers e tiktokers acumulam milhões de seguidores que tornam aquela rede social um fundo estritamente patrimonial. Investidores, que recentemente aplicavam seus recursos em ações empresariais e fundos imobiliários, adquiriram moedas virtuais como a bitcoin e ethereum. Há também aqueles que dedicam sua rotina às competições de esportes eletrônicos (E-Sports) e investem em personagens, itens ou acessórios cujo valor pode ser liquidado e compor a herança digital.

O Código Civil prevê que, morrendo a pessoa sem testamento, transmite-se a herança aos herdeiros legítimos e o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento. Mas a regra civilista ainda não é suficiente para enfrentar os diversos problemas encontrados na herança digital, seja ela existencial (plataformas que registram apenas informações pessoais) ou patrimonial (plataformas cujo valor econômico pode ser mensurado).

Exemplos não faltam: aparelhos de smartphone ou notebook têm valor econômico e podem ser inventariados. Contudo, terá o herdeiro acesso aos aplicativos instalados (WhatsApp, Telegram e Messenger) ou esses dados “morrerão” com o indivíduo, garantindo o direito à honra e ao esquecimento?

A morte de uma cantora que, ao longo da sua carreira, acumulou milhões de seguidores em redes sociais, implicará no acesso automático das suas contas pelos herdeiros legítimos, permitindo a contínua rentabilização da plataforma?

Para enfrentar essa problemática, a Câmara dos Deputados discute o Projeto de Lei n.º 1689/2021 que regula expressamente o direito de o usuário dispor a sua vontade e incluir bens e dados digitais em testamento. Todavia, ainda não há previsão de votação deste projeto em plenário.

É justamente diante da ausência de previsão normativa que os titulares de bens digitais devem articular estratégias para que estes componham a sua herança sem qualquer dificuldade, a exemplo da decisão mencionada em que os pais deixaram de ter acesso às redes sociais da filha que havia falecido.

É essencial que o titular realize um levantamento de todas as plataformas em que possui informações de relevância pessoal e patrimonial e também verifique se os termos de uso e condições possui regramento específico sobre a utilização da conta em caso de óbito.

Após essa checagem, registre em instrumento público ou particular as disposições que entender convenientes, seja transferindo os bens digitais aos herdeiros, excluindo definitivamente os dados pessoais ou transformando-as em recordação. A estratégia preserva a memória, garante a transferência do patrimônio digital e permite que, ao fim de toda uma vida, possa-se descansar em paz.

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