Aumento abusivo de preços durante a pandemia

Saiba quando o aumento do preço de um produto ou serviço pode caracterizar crime.
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

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Em 11.03.2020, a Organização Mundial de Saúde – OMS declarou o status de pandemia em relação à doença causada pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2). A primeira morte pela doença no Brasil ocorreu apenas cinco dias depois da declaração, em 16 de março, em São Paulo.

Como antecipado pelo Ministério da Saúde e demais órgãos do Poder Executivo atuantes no combate à pandemia, desde então a situação apenas se agravou. Agora, próximo ao final do mês de maio, o Brasil já é o terceiro colocado na lista de casos identificados por país (250 mil casos confirmados) e registra aproximadamente 700 mortes em 24 horas.

Paralelamente à difusão do vírus, a economia foi severamente impactada. Ainda que o Governo Federal tenha determinado a liberação de verbas a título de auxílio emergencial para os mais vulneráveis, a medida não foi suficiente para evitar a retração econômica.

Embora transcorrido um período superior a três meses da notícia do primeiro caso de infecção em território brasileiro, os especialistas não conseguem precisar quando as medidas de distanciamento social e fechamento do comércio deverão ser abrandadas a contento.

Prevendo este cenário, desde março o Ministério Público alertava, junto com os Procons de diversos Estados, para a proibição de aumento abusivo de preços. Apenas a título de exemplo, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina (13.03), Paraná (18.03), Minas Gerais (18.03) e São Paulo (19.03) já haviam publicado naquele mês notícias e notas técnicas sobre o tema.

Mesmo assim, a imprensa tem noticiado diariamente o descumprimento à lei, havendo, inclusive, projetos de lei em trâmite no Senado para criminalizar expressamente o aumento abusivo de preços em epidemias.

Atualmente, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços elevar, sem justa causa, o preço (art. 39, X). Igualmente, é nula e abusiva a obrigação que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV).

Claramente não se proíbe que um determinado produto tenha acréscimo no seu preço se, porventura, tenha ocorrido aumento imprevisível em algum insumo necessário para sua fabricação, ou diante de qualquer outra circunstâncias que, justificadamente, acabe por impactar seu preço final.

O que é vedado ao fornecedor ou produtor é o aumento injustificado que visa tão somente o lucro. É neste sentido que o art. 36, inciso III da Lei nº 12.529/11 determina que constitui infração contra a ordem econômica, independentemente de culpa, aumentar arbitrariamente os lucros.

Na mesma linha, conforme o art. 3º, VI da Lei nº 1.521/51, configura crime punível com pena de dois a dez anos de detenção provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício.

A justificativa para a criminalização de tais condutas é compreensível.

Em situações de calamidade, há de se ter em mente que se espera da população em geral e, principalmente, das empresas e comerciantes ___ que exercem função social ___ solidariedade e esforço mútuo para superar a crise, na contramão do interesse individual de obtenção de lucro exacerbado.

Infelizmente, de acordo com o Procon de São Paulo, os setores que mais sofreram autuações do órgão foram as farmácias, seguidas pelos supermercados.

Foi neste sentido que o Ministério Público apresentou recomendações que vão desde a realização continua de vigilância e fiscalização por parte dos Procons quanto ao aumento de preços em produtos voltados à prevenção, proteção e combate ao COVID-19, até a solicitação de que o consumidor denuncie a conduta ilícita, que pode ensejar, a depender do caso, prisão em flagrante.

Por fim, é importante ressaltar que não existe uma escala objetiva para auferir se o aumento do preço de determinado produto ou serviço poderá ensejar a penalização, ainda que uma das notícias mencione “elevação superior a 20%”.

Conforme exemplo mencionado pelo Ministério Público de São Paulo, “é possível que o álcool gel custe, por exemplo, R$ 5,00 em uma loja, e R$ 7,00 em outra. Lado outro, o estabelecimento que, valendo-se da escassez do bem e sabendo da alta procura em razão da pandemia do coronavírus, decide cobrar para o mesmo produto R$ 20,00, percebe-se, sem grandes esforços, um aumento arbitrário nos lucros”.

Logo, não é qualquer aumento injustificado que se tornará alvo de investigação criminal, mas aquele excessivo, que gere efetivo prejuízo ao consumidor e à coletividade.

Mesmo no cenário constatado de alta de 950% nos relatos de preços abusivos, a maior parte será resolvida administrativamente nos próprios órgãos de proteção ao consumidor, em âmbito mais propício e célere para resolução da controvérsia do que a justiça criminal.

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