Bitcoins e Pirâmides Financeiras

Segurança ao investir é imprescindível. O Direito Penal consegue proteger os investidores?
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Poupar e investir para um futuro tranquilo é uma das premissas básicas de uma boa gestão financeira. Com o rendimento da poupança em um patamar pouco atraente, cresce o número de investimentos na bolsa de valores e em outros mercados de risco, como as criptomoedas. Mas este investimento é seguro? Nossa legislação dá conta de proteger os investidores? Saiba mais.

Comentário

De acordo com Niall Ferguson, “o impulso financeiro mais básico entre todos nós é poupar para o futuro, porque o futuro é imprevisível”. Ocorre que, no Brasil, de acordo com a Infomoney, cerca de 90% das pessoas com mais de 25 anos não poupam dinheiro pensando na aposentadoria, conforme relatório Global do Sistema Previdenciário 2020, da Allianz. Em que pese o Brasil ocupe apenas a 43ª posição no referido ranking, em oposição a países como a Nova Zelândia, onde o percentual é de 30% a 40%, ainda está bem adiante de países como Argentina e Egito, onde menos de 5% dos jovens poupa pensando no futuro.

Outra pesquisa divulgada pela Valorinveste indica que apenas 3% dos brasileiros investiram em ações em 2020, sendo que a média aplicada caiu 31%. Porém, o número que chama mais atenção é o de novos investidores. Houve um crescimento de 92,1% de 2019 para 2020.

A bolsa de valores não é o único meio para investir, tampouco para poupar – ainda que a poupança não apresente mais valores atraentes como nas décadas passadas. Parcela relevante, e que aumenta cada vez mais, investe em criptomoedas. No Reino Unido, mais de 2,3 milhões de adultos possuem criptomoedas, número 20% maior que em 2020. A conscientização desta faixa etária também cresce, sendo que quase 80% já ouviram falar das moedas digitais.

A tendência é que este movimento permaneça forte, podendo aumentar exponencialmente caso a segurança dos investimentos continue a ser aperfeiçoada. Neste ano, por exemplo, passou a ser possível investir em criptomoedas na bolsa de valores brasileira (por meio de ETF – Exchange-Traded Fund).

Por outro lado, o número de golpes com criptomoedas também aumenta em igual velocidade. Diariamente são publicadas notícias de pessoas que perderam as economias de uma vida ao investirem, sem segurança, em criptomoedas.

Parte dos golpes envolve as famosas pirâmides financeiras. Nesta modalidade, os criminosos prometem ganhos mensais, ou até diários, muito acima do valor médio de mercado (que, numa visão conservadora, varia de 2% a 5% ao ano). No início, as promessas são cumpridas, especialmente com a finalidade de angariar novas vítimas – as quais farão publicidade do investimento. Ao final, após algum tempo, a estrutura financeira montada não se sustenta e todos os investidores saem perdendo.

Não se pode afirmar que a legislação penal e o aparato repressivo brasileiro estão absolutamente preparados para lidar com estas novidades. Sem sombra de dúvidas, não são suficientes para atingir o nível de prevenção desejado. Por sua vez, quanto ao viés reparador, se for analisado o número de casos em que as vítimas são prontamente ressarcidas, ainda há um longo caminho a ser percorrido até atingir um grau satisfatório.

Contudo, os Tribunais têm feito um grande esforço e, trazendo segurança jurídica, já pacificaram alguns entendimentos sobre possíveis tipos penais em que as fraudes com bitcoins podem ser enquadradas, além de critérios para definir a competência (que, caso definida equivocadamente na etapa inicial, pode anular todo o processo).

Em agosto, o Ministro Joel Ilan Paciornik declarou competente o Juízo Estadual de São Paulo para apurar contrato de investimento especulativo em mercado financeiro, pelo qual foi negociada a entrega de certa quantia em contrapartida de promessa de ganhos semanais na ordem de 35% (Conflito de Competência nº 181.344/SP). Tal fato, aparentemente, poderia configurar os delitos previstos no artigo 5º e 16º da Lei 7.492/86 (Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional), cuja configuração atrairia a competência da Justiça Federal.

Porém, diante da evidência de que a empresa criada era utilizada apenas como um ardil ou fachada para dissimular a real intenção de obtenção de vantagem ilícita em proveito próprio, o tipo penal que mais se adequa é o de estelionato (artigo 171 do Código Penal). Assim, seguindo entendimento da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, de que se tratando de captação de patrimônio particular por instituição que não é financeira, inexistindo interesse da união, declarou competente a Justiça Estadual.

Em outros casos, podem ser identificados contornos diferentes nos aspectos fáticos apurados. Por exemplo, situações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas ou até fraudes que de fato envolvam instituições financeiras, que, por suas características distintas, atrairiam a competência da Justiça Federal.

Diante do cenário exposto, a conclusão que se chega, com certa margem de segurança, é a de que não apenas é importante poupar e investir, mas fazê-lo com segurança. A cautela no investimento deve ser proporcional ao quanto foi poupado e será investido, para que não se corra o risco de perder o valor integralmente, ainda mais em razão de atos ilícitos (na maior parte das vezes, imprevistos). Avanços no Direito Penal são necessários, mas não serão suficientes para coibir golpes. Portanto, o esforço deve ser mútuo, por parte de todos os participantes do sistema financeiro, que só se beneficiará com a redução da desconfiança.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.