Blockchain e o Direito: o futuro dos contratos

A tecnologia “blockchain” impacta o mundo jurídico a partir da possibilidade de negócios e transações autoexecutáveis que visam à redução de custos
Marcus-Paulo-Röder

Marcus Paulo Röder

Advogado egresso

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O final da primeira década do século XXI será lembrado como o  período histórico em que o sistema econômico-financeiro mundial (não apenas do Ocidente) foi posto à prova diante do surgimento de inovações disruptivas.

Paralelamente, e com relação direta com a crise do Subprime – conhecida como “estouro da bolha imobiliária americana”, que teve seu início a partir de forte queda na bolsa de valores estadunidense entre 2007 e 2008, motivada pelo receio do iminente colapso do sistema hipotecário e que culminou na quebra de várias instituições financeiras americanas, com grande impacto em toda a economia global –, ocorreu o lançamento do bitcoin, em 2009.

O whitepaper do bitcoin foi escrito por Satoshi Nakamoto (pseudônimo de autoria ainda desconhecida), que descreve tecnologia capaz de permitir um “sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer” (ponto-a-ponto), com a expressa pretensão de dispensar a necessidade de intermediação por instituições financeiras tradicionais, tais como os bancos.

Com origens no movimento Cyberpunk, essa tecnologia ficou conhecida como Blockchain (corrente de blocos, em tradução direta), que se vale da criptografia de chaves público-privadas de modo a permitir a comunicação e interação anônima entre grupos e indivíduos, com base em três princípios: estrutura descentralizada, imutável e transparente.

Para além do bitcoin (que é apenas a criptomoeda mais famosa dentre os milhares de tokens), a tecnologia blockchain impacta o mundo jurídico principalmente a partir do surgimento da possibilidade de se estruturar negócios e transações autoexecutáveis, os denominados smartcontracts (contratos inteligentes).

Os contratos inteligentes são usualmente programados na plataforma Etherum que, muito embora também seja um token, possui o diferencial de também ser uma máquina virtual (Etherum Virtual Machine) em rede pública capaz de executar os scripts desses contratos num ambiente distribuído de confiança e reputação e que visa à redução de custos com intermediadores tradicionais.

Diferentemente dos contratos tradicionais (que se valem da linguagem comum), os smart contracts são feitos principalmente pela linguagem de programação Solidity (similar ao Java Script e C++).

Ao invés das tradicionais cláusulas que são redigidas para estabelecer direitos e obrigações, no caso dos contratos inteligentes as obrigações são programadas como funções que, a partir da verificação de eventos/gatilhos pré-programados, serão executadas de forma automática.

A diferença visual é basicamente a seguinte:

Tal como no jargão que diz que “o contrato faz lei entre as partes”, os professores Primavera de Fillippi e Aaron Wright se referem ao sistema de regras criado pelos contratos inteligentes como regulação privada e eletrônica que eles denominaram de lex cryptographica (cf. BLOCKCHAIN AND THE LAW. Harvard University Press: Cambridge, 2018, p. 5).

As utilidades para os contratos inteligentes são inúmeras, dependendo apenas da livre criatividade dos contratantes, com o incremento da facilidade para realização de transações transnacionais de forma instantânea, segura e com privacidade.

Com um fluxo crescente de utilização pelo mundo, os contratos inteligentes já estão sendo utilizados principalmente no ramo da propriedade intelectual (industrial e direitos autorais), permitindo direcionar, por intermédio de criptomoedas, todas as receitas advindas da exploração/licenciamento de forma direta aos seus titulares.

A pergunta que naturalmente surge é a seguinte: o ordenamento jurídico nacional recepciona ou veda a utilização de contratos inteligentes?

O Código Civil Brasileiro estabelece que a validade dos negócios jurídicos requer forma prescrita ou não defesa em lei. Ou seja, salvo nos casos expressamente ditos como solenes e que demandam instrumentos públicos (como venda de imóveis com valor superior a trinta salários mínimos, casamentos, testamentos, etc.),  a forma é livre.

O Código Civil também assegura a liberdade de contratar e prevê como licito às partes estipular contratos atípicos, bem como que as reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena.

Ainda, no contexto internacional, a Lei Modelo Nações Unidas (UNCITRAL) sobre Comércio de Eletrônico, que é de 1996, estabelece que não se pode negar efeitos jurídicos à informação e formação de um contrato apenas porque esteja na forma eletrônica.

Em suma, não há qualquer vedação prescrita em lei, o que vale dizer que o ordenamento brasileiro admite a possibilidade de se firmar tais contratos.

O grande desafio que permanece incerto é como os Tribunais lidarão com o tema. Cabe revisão nesses casos? Terá efetividade ordem de suspensão em face de obrigação autoexecutável?

Embora as respostas ainda não existam, as inovações disruptivas sempre exigem que o regulador corra atrás do avanço e não se pode admitir ofensa à garantia constitucional da liberdade de iniciativa simplesmente pela não compreensão da complexidade de uma determinada tecnologia.

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