Cláusula resolutiva em contrato de alienação imobiliária dispensa ação prévia de rescisão

STJ altera sua posição sobre o tema e dispensa ação prévia de rescisão quando contrato contém cláusula expressa de resolução por inadimplemento.
Bruno-Herzmann-Cardoso

Bruno Herzmann Cardoso

Advogado egresso

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Quarta Turma privilegiou o princípio de não intervenção do Estado nas relações negociais, decidindo que, nos contratos imobiliários com expressa cláusula de resolução por não pagamento, não é mais necessário ajuizar ação de rescisão para desconstituir o contrato. Vencendo precedente anterior sobre o tema, o colegiado reconheceu, por maioria, que o credor pode ajuizar diretamente a ação de reintegração de posse, o que representa ganho de eficiência e desjudicialização desse tipo de conflito.

Comentário

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça – STJ vindo do Mato Grosso do Sul. Na origem, as partes celebraram entre si um compromisso de compra e venda de uma fazenda, acertando o pagamento em sete parcelas. O combinado era de que, após o pagamento da primeira parcela, o imóvel seria entregue ao comprador, e assim foi feito.

Contudo, nenhuma das outras seis parcelas foi paga. Diante da inadimplência, a vendedora encaminhou ao comprador uma notificação, na qual informava que o contrato estava resolvido, conforme cláusula expressa nesse sentido, e solicitava a imediata reintegração da posse do imóvel. Diante da inércia do compromissário comprador, a vendedora ajuizou ação possessória e obteve sucesso na primeira instância.

O comprador recorreu ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul – TJMS alegando que seria necessária a propositura prévia de ação judicial para desconstituir o contrato, argumentando que esse era o entendimento sobre o tema do Superior Tribunal de Justiça que, nos casos de compromisso de compra e venda de imóvel, considerava imprescindível a prévia manifestação judicial para que a resolução do contrato fosse consumada. Contudo, o TJMS manteve a decisão de primeiro grau, entendendo desnecessária a ação prévia (ou concomitante) de rescisão contratual, com base no artigo 474 do Código Civil.

O réu, então, interpôs Recurso Especial, e o caso subiu ao STJ sob relatoria do Ministro Marco Buzzi. Em seu voto, que foi seguido pela maioria dos integrantes da Quarta Turma, o relator reconheceu o fato de que o entendimento da Corte até então era favorável à tese do devedor. O precedente era claro no sentido de que “é imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa” (Recurso Especial nº 620.787/SP). Este raciocínio seria uma forma de proteção à boa-fé objetiva, requerendo a tutela do Judiciário para, primeiro, confirmar a resolução do contrato e, aí sim, julgar a reintegração de posse, se fosse o caso.

Contudo, o Ministro relator divergiu desse posicionamento, argumentando que, nos casos em que o próprio contrato de compra e venda já contém em si uma disposição expressa que autoriza a resolução no caso de não pagamento, seria descabido impor à parte prejudicada a obrigação de ajuizar uma ação judicial para declarar o que o contrato já definia. Tal posicionamento seria contrário ao texto legal (artigo 474 do Código Civil), além de um desprestígio aos princípios da não intervenção estatal nas relações privadas e da autonomia da vontade das partes.

Além disso, o relator registrou que a eventual decisão do prejudicado (neste caso, a vendedora) de recorrer ao Judiciário para pedir a devolução da coisa entregue ou perdas e danos não teria o efeito de desconstituir o contrato em si, mas apenas o de declarar o fim de uma relação já extinta por força da própria convenção das partes. Por outro lado, havendo motivos que justificassem a manutenção do contrato, caberia então ao devedor buscar o Judiciário apresentando os argumentos e provas que considerasse suficientes para o prosseguimento do contrato. Ou seja, a resolução do contrato ocorre de pleno direito quando (i) há cláusula resolutiva expressa; e (ii) notificado de sua inadimplência, o devedor deixa passar o prazo legal sem quitar a dívida ou purgar a mora.

A solução alcançada pelo STJ nesse caso é muito mais condizente com a expectativa social de mínima intervenção do Estado no mercado e nas relações particulares. Além disso, observa a crescente tendência de simplificação dos ritos e desjudicialização dos conflitos. Esse novo posicionamento da Corte é, de fato, um reforço do fim de uma lógica de proteção desmedida do devedor no Direito brasileiro, na medida em que dá valor ao que é disposto pelas próprias partes no contrato, e vem como boa notícia ao direito contratual como um todo.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.