Cláusulas FIDIC: prevenções possíveis aos litígios em contratos de construção

Diante do aumento significativo dos litígios no setor de construção, os modelos da FIDIC oferecem soluções interessantes para novos contratos.
Lucas Cordeiro - versão site 1

Lucas Domakoski Cordeiro

Advogado da área de contratos empresariais

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Nos últimos anos, não apenas no Brasil, como também ao redor do mundo, aumentaram sobremaneira os casos de litígios derivados de contratos de construção conduzidos às câmaras arbitrais ou ao Judiciário. Esta situação não surgiu à toa: o auge da pandemia da Covid-19 se deu justamente em 2020 e 2021 e suas consequências seguem sendo sentidas mesmo com o fim da emergência de saúde. Natural, portanto, o aumento no número de litígios relativos aos contratos de construção, visto que tais contratos, no mais das vezes, são contratos de longa duração, muitos dos quais foram impactados pela pandemia justamente em meio ao seu curso, especialmente diante da disparada da inflação e dos valores dos insumos utilizados pela construção civil.

Particularmente nos contratos que versem sobre grandes obras, instrumentos de notável complexidade e que envolvem valores vultosos, qualquer condução de litígios à arbitragem ou ao Judiciário tende a resultar em despesas significativas com custas e honorários advocatícios, para além de impactar, muitas vezes, a própria execução do contrato, inclusive quanto ao fator temporal. Neste sentido, e diante das máximas da experiência adquiridas nos últimos anos, se faz necessário tomar, em especial nos contratos de grande porte, determinadas cautelas que objetivem prevenir, ao máximo, a escalação de litígios em decorrência do desequilíbrio contratual causado por fatores supervenientes ou por sua condução às soluções heterocompositivas. Certas cláusulas e previsões contratuais dos modelos da FIDIC, neste contexto, se mostram bastante interessantes.

FIDIC é o acrônimo de Fédération Internationale Des Ingénieurs–Conseils, uma organização não-governamental sediada em Genebra, na Suíça, que elabora e promove regras contratuais para as indústrias de engenharia e construção civil. A organização possui modelos de contratos utilizados no mundo todo, notadamente aqueles contidos nos livros Vermelho, Amarelo e Prateado.

Comum aos três livros é a sistemática de prevenção de litígios, voltada a dirimir eventuais diferenças entre as partes ou, caso não possam ser dirimidas, solucioná-las com brevidade. Tratando mais especificamente do livro Vermelho, verifica-se que o modelo traz uma clara diferenciação entre as noções de Reclamação (claim), contida na cláusula 20 (Reivindicações do Empregador e do Empreiteiro) e Litígio (dispute), contida na cláusula 21 (Disputas e Arbitragem), sendo ambas etapas pré-arbitrais ou pré-judiciais. Assim, não são todos os dissensos que podem ser classificados como Litígio, que se trata de etapa realizada somente se a discordância não for solucionada consensualmente ou em sede de Reclamação.

Em termos dos procedimentos contidos na cláusula 20, tem-se, a título de exemplo, que quando uma parte acreditar possuir qualquer direito, deverá dirigir esta pretensão à contraparte ou ao engenheiro responsável. Recebida a demanda, a contraparte terá o direito de se manifestar por si mesma ou intermediada pelo engenheiro.

Caso a pretensão não seja acatada, a parte terá então direito a realizar uma Reclamação, a ser encaminhada ao engenheiro, e que deverá ser adequadamente instruída com detalhes e documentos capazes de fundamentar e justificar a demanda, de modo a permitir uma análise adequada da questão. O engenheiro terá, então, a prerrogativa de intermediar com neutralidade o diálogo entre as partes na busca por uma solução consensual para a demanda. Caso seja impossível alcançar um acordo entre as partes, o engenheiro deverá decidir a questão por determinação própria, buscando conciliar o melhor interesse dos envolvidos.

Na hipótese de que alguma das partes se insurja contra a determinação final do engenheiro, ela deverá emitir notificação de desacordo, a partir da qual surgirá, assim, o Litígio propriamente dito, o que ensejará a condução da controvérsia ao Dispute Adjudication/Avoidance Board (DAAB). Tal etapa também ocorre previamente à condução do litígio à arbitragem ou ao Judiciário, como uma última tentativa de resolução da controvérsia, visando evitar longas e arrastadas discussões jurídicas. Assim, como se vê, a sistemática de prevenção de litígios dos modelos FIDIC possui diversas camadas de abordagem, o que possibilita não apenas a resolução consensual de demandas que surjam no âmbito da relação contratual entabulada entre as partes, como também a prevenção da condução de tais questões aos tribunais arbitrais e estatais.

Conforme os últimos anos foram capazes de nos ensinar, fatores supervenientes, extraordinários ou não, podem surgir ao longo da execução de um contrato de longa duração e prejudicar significativamente os termos pactuados a princípio, gerando conflitos entre as partes. Assim, é premente limitar (ou evitar) os prejuízos, inclusive aqueles verificados com as pesadas custas arbitrais ou judiciais, ou com o longo tempo necessário para a solução heterocompositiva de uma controvérsia. Várias ferramentas dos modelos da FIDIC são úteis para este propósito, sendo interessante a sua inclusão em contratos de construção, seja para prevenir litígios, seja para fixar como tratá-los quando o imponderável acontecer. 

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