Concessionária de rodovia obtém decisão judicial favorável para reequilibrar contrato de concessão

O TRF 1 determinou o reequilíbrio por entender que a fuga de veículos para rodovia não pedagiada concorrente era imprevisível.
Ana Laura - Ambientada_1x1

Ana Laura Melo

Advogada da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

A Concessionária ajuizou a demanda pleitando o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em razão do não pedagiamento de rodovia concorrente, ocorrido após a assinatura do Contrato de Concessão, cujas externalidades negativas impactaram o volume do tráfego de veículos no âmbito da concessão ensejando perda de receita.

Comentário

A BR-101 e a BR-116 constituem-se em corredores logísticos paralelos de ligação da região Nordeste às regiões Sudeste e Sul do país, apresentando grande relevância para o transporte de carga de longa distância.

No âmbito da concessão da rodovia federal BR-101/ES/BA, houve um evento imprevisível, que não podia ser imputável à concessionária, mas que afetava significativamente a sua receita: o não pedagiamento da BR-116/MG, vigente até que esta fosse concedida em 2022. Tal se diz, pois, como resultado do não pedagiamento, a BR-116/MG tornou-se mais atraente aos usuários de longa distância e houve estímulos à fuga de demanda da BR-101/ES/BA. Quando menos, a BR-116/MG consistiu em rota alternativa não pedagiada à concessão, atraindo uma parcela relevante dos usuários da BR-101/ES/BA e, assim, afetando sua receita.

Ocorre que, à época da realização do leilão da concessão da BR-101/ES/BA, existia licitação em andamento para a Concessão do Sistema Rodoviário da BR-116/MG, com edital publicado. Ou seja, quando a concessionária participou do leilão do qual se sagrou vencedora, também estava prevista a delegação dos serviços públicos rodoviários da BR-116/MG e seu subsequente pedagiamento.

Contudo, desde o início da concessão da BR-101, em 2012, até o início da cobrança de pedágio na BR-116, em 2023, o trecho da BR-116/MG, que concorre com a demanda da BR-101/ES/BA, ficou sem cobrança de pedágio, impactando diretamente o fluxo de usuários desta última concessão por um período superior a dez anos.

Diante desse cenário, a concessionária da BR-101/ES/BA ajuizou ação pleiteando o reconhecimento ao direito de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, dado que o Contrato de Concessão possuía disposição expressa sobre a responsabilidade do Poder Concedente no caso de implantação de rotas ou caminhos alternativos sem pedágios que não existissem à época da assinatura do contrato e cuja criação também não estivesse prevista em instrumento oficial.

Nesse sentido, a decisão judicial que reconheceu a necessidade de se reequilibrar o contrato delineou precisamente a cronologia dos fatos, elemento crucial para se verificar a existência de fato do príncipe e, por decorrência dele, concluir que o pedido da concessionária deveria ser atendido.

O Des. Relator, em seu voto condutor, decidiu que, embora o edital de concessão para pedagiamento da BR-116/MG tenha sido publicado em 21.12.2012 e a sessão pública para o leilão da BR-101/ES/BA, marcada para 18.01.2012, o plano de outorga da BR116/MG já havia sido aprovado em 01.04.2009 e o plano de outorga da BR101/ES/BA, em 29.08.2011. Além disso, o Estudo de Viabilidade de PPP para o Sistema Rodoviário BR-116/BR-234 no Estado da Bahia, datado de junho de 2006, indica que o pedagiamento da BR-116 há muito era cogitado pelo Poder Público.

A cronologia dos fatos da forma detidamente apresentada pelo voto do Desembargador foi essencial para que se compreendessem os detalhes e as nuances do caso concreto. A situação vivenciada pela concessionária é completamente atípica.

Mais uma vez, de forma assertiva, a decisão dispôs que as premissas anteriormente adotadas para se avaliar o pleito do reequilíbrio estavam erradas, de forma que entendeu que não havia muito a elucubrar sobre a questão, pois o ponto controvertido consistia objetivamente em precisar se a falta de pedagiamento da BR-116/BR pode ser considerada fator de desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato da BR-101 ou se decorre de risco inerente ao objeto da avença.

O contexto da situação da forma como foi analisado e compreendido pelo Tribunal foi determinante para que a concessionária tivesse êxito na ação, tendo em vista que o marco temporal de cada ato anterior e posterior à licitação foi o ponto fulcral para se entender o direito ao reequilíbrio.

Além disso, as decisões tomadas pela Administração Pública foram fatores que também contribuíram para situação. Após a concessão da BR-101/ES/BA, a decisão de não pedagiar a BR-116/MG por quase dez anos alterou inesperadamente o planejamento da exploração rodoviária até então concebida, impactando negativamente o tráfego na BR-101/ES/BA. Estimou-se que houve a transferência de cerca de 16% do volume de eixos comerciais para a BR-116/MG.

Vale destacar que a conclusão à qual chegou o Desembargador não decorreu da interpretação de dispositivo do Contrato de Concessão, mas sim por entender que, no caso concreto, a análise do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato deveria ser feita com base na Teoria da Imprevisão ou do Fato do Príncipe.

Assim, o precedente que se criou é de extrema relevância para as concessões, visto que a interpretação do caso concreto se deu à luz da Lei de Licitações, e não de disposição de cláusula específica de contrato. Logo, esse entendimento pode ser utilizado em outros casos similares, independente da existência de cláusula contratual sobre o tema. Tratou de uma situação extraordinária, que pôde ser apreciada como Fato do Príncipe porque adveio de um ato emanado do Poder Concedente que, estranho ao objeto do contrato e superveniente à proposta apresentada, afetou a relação inicialmente pactuada, causando desequilíbrio entre os encargos despendidos e a remuneração auferida.

A decisão judicial foi obtida em favor da concessionária em sede de embargos de declaração em apelação perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ainda passível de recurso.

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