Contrato de alienação fiduciária e IPTU: sobre quem recai a obrigação de pagamento?

Entenda a decisão do STJ que pacificou que o credor fiduciário não tem obrigação de pagar o IPTU enquanto não imitido na posse do imóvel.

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Em contratos de alienação fiduciária é comum a disputa, na Justiça, sobre quem recai a obrigação de pagamento do IPTU: sobre o devedor fiduciante, na qualidade de possuidor direto, ou sobre o credor fiduciário, titular da propriedade provisória do imóvel. Tenta o STJ, portanto, oferecer uma resposta definitiva ao tema, ao disciplinar que, devido à ausência de propriedade plena ou de posse com ânimo de assenhoramento, o dever de pagamento do IPTU só pode recair sobre o devedor fiduciante. 

Comentário

1. O Contexto da decisão

A alienação fiduciária é um mecanismo de garantia amplamente utilizado em financiamentos imobiliários. Nessa modalidade, instituída no Brasil pela Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário (nº 9.514/1997), o devedor (fiduciante) transfere a propriedade provisória do imóvel ao credor (fiduciário), que geralmente é uma instituição financeira, como garantia do pagamento da dívida. A posse direta do imóvel, no entanto, permanece com o devedor, que pode usar e usufruir do bem. 

Nesse contexto, a questão de quem deveria ser o pagador do IPTU incidente sobre o imóvel sempre gerou discussões, vez que, por um lado, é o credor fiduciário quem detém a propriedade da coisa enquanto não quitado integralmente o financiamento, porém, por outro, é o devedor fiduciante quem, durante a vigência do contrato, pode usar e gozar do imóvel, na qualidade de seu possuidor direto. 

Em face disso, Municípios brasileiros frequentemente buscam cobrar o imposto tanto do devedor fiduciante quanto do credor fiduciário, o que dá origem aos litígios judiciais.

Diante desse cenário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado a pronunciar-se sobre o tema, visando uniformizar o entendimento e trazer segurança jurídica aos atores envolvidos.

2. A decisão da Primeira Seção do STJ

O caso originou-se de uma Execução Fiscal movida pelo Município de São Paulo em face do Itaú Unibanco S/A, visando a cobrança do IPTU incidente sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária. Em recurso ao Tribunal de Justiça, o banco apontou a sua ilegitimidade para responder pelo pagamento do imposto, o que foi acatado pela Corte Estadual e motivou a reforma da decisão. Todavia, contrariado, o Município interpôs recurso ao STJ.

Assim, no julgamento do Recurso Especial nº 1.949.182-SP, a Primeira Seção do STJ analisou a questão da legitimidade passiva do credor fiduciário em relação ao IPTU. A Corte entendeu que, antes da consolidação da propriedade e da imissão na posse do imóvel, o credor fiduciário não pode ser considerado sujeito passivo do imposto.

O STJ fundamentou sua decisão no artigo 34 do Código Tributário Nacional (CTN), que define como contribuinte do IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor. 

Para a Corte, o credor fiduciário não integra nenhuma dessas três figuras: (i) não detém a propriedade plena sobre o imóvel, já que ela se qualifica como propriedade resolúvel e provisória, isto é, que voltará ao devedor fiduciante após a quitação do contrato; (ii) igualmente não detém a posse com ânimo de dono, isto é, não exerce a posse com o intuito de assenhorar-se do imóvel, vez que o bem se destina, após a quitação do contrato, ao devedor; (iii) muito menos o credor possui domínio útil sobre o imóvel, já que dele não pode usar ou gozar, poderes que recaem apenas sobre o devedor fiduciante. 

Daí por que é apenas este último – devedor fiduciante – quem deverá constar no polo passivo de Execuções Fiscais com o intuito de cobrança do IPTU. Ou seja, fica a cargo do devedor fiduciante o recolhimento do imposto, circunstância que afasta a legitimidade da instituição financeira para responder pelo IPTU na qualidade de contribuinte ou de responsável tributária. 

Disciplinou a Corte, ainda, que o credor fiduciário apenas será o legítimo pagador do imposto municipal quando, devido ao inadimplemento do contrato pelo fiduciante, tornar-se o próprio credor o proprietário pleno da coisa, após imitir-se na posse direta do imóvel.

Dessa forma, o STJ concluiu que, enquanto não houver a consolidação da propriedade e a imissão na posse, o credor fiduciário não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 34 do CTN para ser considerado contribuinte do IPTU.

3. Relevância Prática da Decisão

A decisão do STJ possui grande relevância para o mercado imobiliário e para as instituições financeiras que atuam no setor de crédito. Ao definir claramente que o credor fiduciário não é o responsável pelo pagamento do IPTU antes da consolidação da propriedade, o STJ traz maior segurança jurídica às operações de alienação fiduciária. 

A decisão pode, ainda, diminuir os custos do crédito desse tipo de operação, vez que traz maior previsibilidade aos bancos e outras instituições financiadoras, além de evitar, no futuro, que credores fiduciários sejam acionados judicialmente por Municípios para o pagamento de débitos de IPTU, o que reduz os custos e a burocracia envolvidos nas operações de financiamento imobiliário.

Gostou do conteúdo?

Faça seu cadastro e receba novos artigos e vídeos sobre o tema
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.