Contratos de mútuo conversível: novos usos para institutos antigos

Versão brasileira das convertible notes norte-americanas se apresenta como alternativa viável para investimentos em novos negócios.
Fabrycia

Fabrycia Kessler

Trainee egressa

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Investir em um novo negócio pode parecer muito arriscado, principalmente em um ambiente de economia em recessão, no entanto, a rápida evolução do direito empresarial não permite que empreendedores e investidores fiquem paralisados mediante este cenário.

Adaptado do direito norte-americano, o contrato de mútuo conversível em participação societária surge como alternativa viável para investimentos em novos negócios: não exige grandes despesas por parte do empresário, e ainda permite ao investidor resguardar-se de possíveis prejuízos.

Esta forma contratual se assemelha muito às debêntures conversíveis, previstas na Lei de Sociedades por Ações, unindo características com o mútuo tradicional.

Previsto no artigo 586 e seguintes do Código Civil, o contrato de mútuo é caracterizado pela transferência temporária do domínio de coisa fungível (usualmente valor monetário) do seu proprietário, conhecido como mutuante. Aquele que recebe o valor responde pelo nome de mutuário, e obriga-se a restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade recebida, assumindo também todo o ônus sobre o objeto do mútuo.

A lei civil não previu formalidades específicas quanto à forma de pactuação, no entanto, haverá sempre um prazo para restituir a obrigação, sob pena de o contrato ter sua natureza jurídica modificada. O contrato somente será aperfeiçoado com a entrega da coisa (objeto do mútuo), gerando assim as obrigações ao recebedor. Vale ressaltar, o mútuo pode ou não, ter remuneração ao mutuante.

Somadas a estas características, temos também as originárias das debêntures conversíveis. Previstas pela Lei 6.404, que versa sobre as Sociedades por Ações, as debêntures são identificadas majoritariamente pelos doutrinadores como uma espécie de mútuo diferenciada: um empréstimo na forma de um valor mobiliário é dividido em frações que são chamadas debêntures, e distribuídas entre os credores, debenturistas.

Contudo, e apesar de didaticamente ser assemelhada ao mútuo ou empréstimo, a debênture em si é considerado um título de crédito abstrato. Não há previsão expressa quanto à sua destinação, devendo apenas ser utilizada em benefício da companhia. Sendo assim, podem assumir diversas finalidades: captação de recursos para a sociedade, servir de garantia a uma obrigação, entre outros.

Quanto à conversibilidade, existem dois tipos, as simples e as conversíveis em ações. Previstas no artigo 57 da já referida Lei, o diferencial da debênture conversível é justamente o direito de convertê-la em ações da empresa emissora ao final do prazo.

Com todas as condições, cláusulas e regras de conversão previstas na escritura de emissão, este título alia características de dívida corporativa e emissão de ações, sendo marcado pela flexibilidade.

Findado o prazo previsto na escritura de emissão, ocorre a conversão da debênture em ação e como consequência o aumento imediato do capital social, correspondendo ao valor de crédito emitido anteriormente.

Introduzidos os conceitos essenciais ao entendimento do contrato de mútuo conversível em participação societária, resta delineá-lo, unindo características diversas para formar um novo instrumento contratual.

Pode o mútuo conversível em participação societária ser caracterizado como um contrato de entrega de valor, obrigando sua devolução em prazo certo (e com encargos), criando ao investidor a condição de credor do valor objeto do mútuo e o direito de converter o valor em participação societária no capital social da empresa mutuaria se assim desejar.

Inova ao unir duas naturezas: direito de crédito, regulado pelo contrato de mútuo com o futuro pagamento do valor investido, e direito de subscrição futura, caracterizado pela opção de conversão em quotas ao fim do contrato.

Assim, pode-se dizer que é um espelho de uma debênture conversível, adaptado para ser utilizado por outros tipos societários. Considerando então, sua utilização na captura de recursos em empresas limitadas, a garantia ao mutuário estará restrita ao capital social da empresa.

Pode-se dizer então que funciona como um mútuo tradicional, mas que ao final do período determinado, poderá o investidor, analisando condições de mercado e resultados alcançados pela empresa optar por converter o capital investido em participação societária ou resgatar a dívida com taxas reduzidas (simbólicas, em razão da natureza de capital de risco e não de financiamento).

As vantagens surgem para ambas as partes: o mutuário não precisará converter a sociedade em uma sociedade anônima para receber o aporte, o que muitas vezes se torna inviável devido às exigências da Lei e alto custo dos procedimentos. Poderá ainda, conforme as condições fixadas no contrato, dispor de maior liberdade na tomada de decisões, uma vez que não há ingresso inicial de terceiros como sócios.

Necessário é definir detalhadamente em memorando de entendimentos o papel que o investidor desempenhará na empresa durante o período de vigência do mútuo. Como não será detentor de poderes de sócio, uma vez que a relação não será pautada pelo direito empresarial e sim pelo civil, se optar por participar na tomada de decisões da empresa, deverá ser previsto em quais condições se darão esta participação.

Durante este tempo em que permanecer como mutuário, o risco do investidor limita-se ao valor investido, sendo este uma das principais vantagens. Dessa forma, o risco de contaminação em decorrência de desconsideração da personalidade jurídica em casos passivos de origem trabalhista ou tributária é eliminado. Além disto, terá a liberdade de escolher ao fim do período previsto se ingressará ou não como sócio no negócio, baseando-se no desempenho prévio apresentado.

Em suma, esta utilização contratual se torna uma opção viável e interessante diante do cenário atual: permite que o investimento seja feito, mesmo em empresas que adotam certos regimes societários limitadas quanto às formas de angariar fundos, e permite ao empresário continuar sua atividade com o apoio financeiro e sem precisar despender grandes recursos para transformar o regime societário de sua empresa em uma sociedade por ações.

Esta facilidade se torna essencial neste momento de crise econômica, o ato de investir provoca o desenvolvimento da atividade empresarial. A empresa ao cumprir com a função social delineada através da Constituição Federal em seu artigo 170 por consequência traz também benefício ao Estado, possibilitando seu desenvolvimento e recuperação econômica.

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