Covid-19 pode ser considerada acidente de trabalho?

Saiba quais medidas adotar para evitar que a contaminação por coronavírus seja enquadrada como acidente de trabalho.
Heloísa Dias - Versão Site

Heloísa Dias Lapunka

Advogada egressa

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Síntese

Decisões recentes adotaram posicionamentos divergentes a respeito do tema, mas ambas levaram em consideração as medidas preventivas adotadas pelas empresas rés.

Comentário

Em março de 2020, a Medida Provisória n.º 927 ____ cuja eficácia hoje já está exaurida ____  estabeleceu, em seu artigo 29, que os casos de contaminação de Covid-19 não seriam enquadrados como doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Em seguida, em abril do mesmo ano, na ADI n.º 6342, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão liminar suspendendo a eficácia do artigo mencionado e declarou-o inconstitucional, sob o fundamento de que não se poderia dar ao empregado o ônus de comprovar que sua doença é relacionada ao trabalho”.

Destaca-se que, ainda em 2020, foi expedida Nota Técnica do Ministério da Economia (NT SEI n.º 56376) que estabeleceu que a Covid-19 pode vir a ser reconhecida como doença ocupacional quando proveniente das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionar diretamente, como no caso de profissionais da saúde, por exemplo. Ou, ainda, pode vir a ser reconhecida como acidente de trabalho por doença equiparada, na hipótese em que a doença seja proveniente de contaminação acidental do empregado no ambiente de trabalho.

Especificamente quanto à segunda hipótese mencionada acima e tendo em vista a decisão do STF na ADI n.º 6342, surgiram inúmeras dúvidas a respeito do tema e, inclusive, foram proferidas decisões em sentidos opostos, ora reconhecendo-se a contaminação pelo novo vírus como acidente do trabalho, ora afastando-se tal reconhecimento.

Recentemente, o Juiz do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de Três Corações, em Minas Gerais, reconheceu a morte por Covid-19 de um trabalhador como sendo acidente de trabalho e condenou a empresa ao pagamento de R$ 200 mil reais a título de danos morais (autos 0010626-21.2020.5.03.0147). De acordo com o Magistrado, as provas documentais e testemunhais permitiram concluir que a contaminação possivelmente se deu no período em que o empregado estava à disposição da empresa, cabendo a esta provar que a contaminação teria ocorrido na residência do trabalhador e/ou fora do ambiente de trabalho.

No caso, o Juiz afirmou que é impossível ao empregado ___ e, portanto, inexigível ___ a prova do nexo causal entre a contaminação e o ambiente de trabalho, havendo margem para aplicação da responsabilidade objetiva. Para o Magistrado, a análise de culpa do empregador é prescindível, pois este teria assumido “o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante período agudo da pandemia do Coronavírus”.

O que se percebe da decisão é que, ainda que não se tivesse declarado a responsabilidade objetiva da empresa, havia outros elementos nos autos que permitiriam ao Juízo reconhecer a responsabilidade subjetiva. De acordo com a sentença, a Reclamada não colacionou aos autos comprovantes de participação do empregado em cursos de prevenção, bem como a documentação de entrega de álcool em gel juntada ao processo não especificava a quantidade fornecida. Além disso, a prova testemunhal revelou que o caminhão utilizado pela vítima também poderia ser conduzido por terceiros, o que aumentaria o grau de exposição, já que também não restou comprovado nos autos que havia medidas profiláticas e de sanitização do ambiente.

Já em outra decisão recente (autos 1000802-32.2020.5.02.0023), a Juíza do Trabalho Substituta da 23ª Vara do Trabalho de São Paulo não caracterizou como acidente de trabalho a morte de trabalhador em decorrência da Covid-19. Para a Magistrada, é imprescindível a comprovação, de maneira contundente, de que existe nexo de causalidade entre a contaminação pela Covid-19 e a exposição direta no ambiente laboral.

De acordo com a sentença, restou comprovado nos autos o regular fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs), bem como de informativos, além de disponibilização de álcool em gel. Para a Juíza, “as empresas reclamadas adotaram todas as medidas que estavam ao alcance para contenção e prevenção da transmissão da Covid-19 no ambiente de trabalho desde o início da pandemia.”

Do cotejo das duas decisões, percebe-se que, apesar de diametralmente opostas, ambas levaram em consideração as medidas preventivas adotadas pelas empresas rés. Desse modo, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade do art. 29 da MP n.º 927/2020, pelo STF, não descarta automaticamente a necessidade de se comprovar o nexo de causalidade entre a contaminação por Covid-19 e o ambiente de trabalho.

Assim, para se evitar condenações tais quais a da sentença mineira citada acima, é essencial que a empresa adote medidas de contenção e prevenção, tais como realização de triagem de empregados com possíveis sintomas; medição de temperatura; afastamento imediato e adoção de testes para empregados com suspeita de portarem o vírus; limpeza diária e desinfecção de ambientes; fornecimento de máscaras apropriadas e álcool em gel, com especificação da quantidade e mediante recibo de entrega e assinatura do empregado, sem prejuízo de outros protocolos que possam conter a propagação do vírus.

Por fim, considerando que o art. 169 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece a obrigatoriedade de emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) em caso de doenças profissionais e do trabalho. Em caso de diagnóstico do empregado com Covid-19 no ambiente de trabalho, faz-se necessária a emissão de CAT ao órgão competente.

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