Danos contra o patrimônio público sob concessão: o direito à justa reparação em favor das concessionárias rodoviárias

Decisão judicial condena usuários de rodovia a indenizar a concessionária pelos danos decorrentes de acidente.
Diego-Ikeda

Diego Ikeda

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

Em recente decisão proferida no estado de São Paulo foi reconhecido o direito de a concessionária ser indenizada pelos danos decorrentes de acidente automobilístico.

Comentário

Por meio de concessões públicas no setor de rodovias, os entes federativos delegam à iniciativa privada a responsabilidade de financiar, construir, operar e manter a estrutura viária. Em troca, a concessionária tem o direito de cobrar tarifas dos usuários ou receber alguma compensação pecuniária do Poder Público. Esse modelo, amplamente consagrado, tem sido adotado por diversos países para fomentar o desenvolvimento da infraestrutura rodoviária.

Neste arranjo legal, a responsabilidade da concessionária, como empresa prestadora de serviços públicos, é objetiva. Isso significa que as concessionárias respondem por danos causados a terceiros, independentemente de culpa, em virtude da prestação do serviço concedido ou em razão dele. Basta que o dano esteja ligado a alguma conduta praticada pela empresa ou a sua omissão no cumprimento de um dever.

Dentro desta lógica, é bastante comum ações judiciais propostas por usuários dos serviços com pretensões indenizatórias em face das concessionárias. Em grande parte, envolvem acidentes causados por animais na pista ou pela má conservação das vias, por colisão em casos de aquaplanagem, dentre outros.

Todavia, em recentíssima decisão proferida pela Justiça do Estado de São Paulo nos autos n.º 1000839-91.2021.8.26.0286, contemplou-se uma situação diversa. 

Tratou-se de ação indenizatória proposta pela concessionária em face de usuário da rodovia, em decorrência dos prejuízos materiais por este provocado. A empresa alegou que o condutor do veículo, ao adormecer, perdeu o controle da direção e colidiu contra o alambrado. Isso resultou em danos ao patrimônio público sob concessão, os quais, na perspectiva da concessionária, mereceriam ser reparados tanto pelo condutor quanto pela proprietária do veículo, de forma solidária.

Importante registrar que, diferentemente do que sucede nas ações propostas contra as concessionárias baseadas na relação de consumo _ onde prevalece a noção de responsabilidade objetiva _, quando a ação é de iniciativa da concessionária a lógica é outra: exige-se a demonstração da responsabilidade subjetiva dos usuários, o que envolve a prova da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), além do dano e nexo causal.

Foi justamente este o argumento da concessionária ao sustentar a imprudência do condutor.

Em defesa, tanto o condutor do veículo quanto sua proprietária alegaram que a concessionária assumiu o dever de manter e conservar a rodovia mediante o pedágio, cujo valor deveria ser destinado para manutenção e reparos eventualmente necessários.

A tese defensiva, corretamente, não foi acolhida. O julgador entendeu que houve imprudência do condutor, vez que não manteve o controle do veículo enquanto trafegava pela rodovia, sendo sua obrigação de ter domínio do veículo e dirigir com atenção e cuidados indispensáveis à segurança, conforme preceitua o artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro. No julgamento, entendeu-se que, caso tivesse respeitado e cumprido com seu dever, o incidente não teria ocorrido.

No mais, o julgamento refutou o argumento dos usuários sobre a destinação do pedágio. Decidiu-se que “o pagamento do pedágio não afasta a responsabilidade dos requeridos que, por ato ilícito, provocaram danos à concessionária. O pedágio pago pelo usuário tem a finalidade de implementar a rodovia e promover a manutenção dos equipamentos de segurança. Não se destina, pois, ao pagamento de gastos extraordinários provocados por imperícia, imprudência ou negligência dos condutores de veículos.”

Entendendo se tratar de gastos extraordinários que não possuem qualquer relação com a manutenção e conservação da pista, a sentença condenou o condutor e a proprietária do veículo ao pagamento do valor necessário para reparar a estrutura de alambrado.

O resultado deste caso traz conclusões relevantes.

O pedágio recebido pela concessionária possui destinação específica _ a conservação e manutenção da estrutura viária, implementação recursos de tecnologia, execução de serviços que englobam a cobrança e assistência aos usuários, dentre outros. É incorreto compreender que, meramente por receber a contraprestação mediante cobrança de tarifas, as concessionárias mereceriam suportar toda e qualquer conduta dos usuários ou suportar todo e qualquer prejuízo.

Não há, portanto, dúvidas de que as concessionárias possuem o direito de reivindicar a justa e integral reparação pelos danos causados por usuários, sendo a cobrança do pedágio elemento irrelevante. Sustentar o contrário resultaria, em última análise, anuir com a oneração demasiada do contrato de concessão do serviço público. A externalidade negativa seria manifesta: aumento do custo da prestação do serviço que, por sua vez, repercutiria no valor das tarifas cobradas dos usuários.

A conclusão, portanto, não pode ser outra: danos contra o patrimônio público sob concessão devem ser integralmente reparados.

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