A arbitragem tem se estabelecido como um meio eficiente para a solução de litígios complexos, sobretudo para aqueles surgidos entre a Administração Pública e particulares em contratos de infraestrutura. As dúvidas sobre a viabilidade do uso da arbitragem no ambiente público se desidrataram diante da legislação que viabilizou as convenções de arbitragem nas contratações públicas, especialmente nos setores de petróleo e gás, energia e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.
A previsão de utilização de arbitragem tem respaldo na Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004), na Lei de Concessões (Lei 8.987/95) e na Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). A própria Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) foi alterada, em 2015, para fazer constar que a “administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Há ainda previsões em leis e regulamentos setoriais. A Lei dos Portos (Lei 12.815/2013) prevê o uso da arbitragem para dirimir litígios com a Administração Pública federal relativos aos débitos das concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias, ao passo que a Lei 10.233/01 disciplina a possiblidade de inclusão de cláusulas compromissórias em contratos de transporte aquaviário e terrestre celebrados com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Transporte Aquaviário (ANTAQ).
Em posição proeminente, o Decreto 10.025/2019 passou a regular o emprego da arbitragem em disputas envolvendo a Administração Pública federal, nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.
No plano temporal, o referido decreto – em vigor desde 23 de setembro de 2019 – rege as arbitragens decorrentes de convenções de arbitragem celebradas sob sua vigência. Porém, permitiu-se que aditamentos a contratos administrativos em execução introduzam cláusula compromissória. Alternativamente, as partes podem firmar compromisso arbitral para submeter disputas existentes à arbitragem.
Merecem destaque as diretrizes estabelecidas no decreto em pauta para que a Administração Pública se valha preferencialmente da arbitragem. Em síntese, tem-se as seguintes hipóteses:
- casos em que a divergência esteja fundamentada em aspectos eminentemente técnicos; e
- casos em que a demora na solução definitiva do litígio possa gerar prejuízo à prestação adequada do serviço ou à operação da infraestrutura ou possa inibir investimentos considerados prioritários.
Para além de explicitar que apenas poderão ser submetidas à arbitragem as controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis – repetindo o que já consta na Lei de Arbitragem –, o Decreto 10.025/2019 busca ainda delimitar quais tipos de disputas recaem nesta categoria, de modo a orientar a celebração de compromissos arbitrais (firmados quando já presente o litígio entre as partes):
- casos envolvendo recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
- casos que exigem o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria; e
- casos versando sobre o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídos a incidência das suas penalidades e o seu cálculo.
Já para a hipótese de cláusula compromissória (aquela firmada em abstrato, antes do litígio surgir), poderão ser estabelecidos critérios próprios para submissão do litígio à solução arbitral.
Ainda no plano de seus benefícios, o referido decreto soluciona a celeuma nos casos em que o tema a ser objeto de disputa arbitral encontra-se ainda em discussão administrativa. Para eliminar o risco de decisões conflitantes, tal decreto dispõe que a decisão administrativa contestada na arbitragem deve ser definitiva; vale dizer, não mais sujeita à reforma por recurso administrativo.
Para salvaguardar o interesse público, o Decreto 10.025/2019 rege temas procedimentais que devem ser observados nas disputas arbitrais e, ademais, pautar as convenções de arbitragem. Dentre tais normas, destaca-se que:
- as câmaras escolhidas devem ser credenciadas pela AGU;
- a legislação aplicável ao mérito da disputa será a legislação brasileira;
- as arbitragens serão sediadas no território brasileiro;
- em regra, as informações sobre as arbitragens serão públicas (exceto para preservar segredo industrial ou comercial e as informações sigilosas nos termos da lei), e caberá às câmaras de arbitragem a divulgação das informações sobre as arbitragens, exceto quando houver convenção diversa entre as partes; e
- deverá ser observado prazo mínimo de 60 dias para apresentação de defesa e prazo máximo de 24 meses para apresentação da sentença arbitral (prorrogável uma vez por período igual).
Há questões, todavia, que merecem atenção. Os particulares devem atentar para o fato de que as despesas das arbitragens regidas por este decreto (honorários dos árbitros, custos com provas técnicas e com a instituição arbitral) devem ser adiantadas sempre pelo contratado e somente poderão ser recobradas após a deliberação final do tribunal arbitral.
Desta breve análise, algumas conclusões são possíveis: ao disciplinar a arbitragem como método de solução de disputas no setor de infraestrutura, a legislação cria forte incentivo ao seu emprego e confere maior segurança jurídica a todos os participantes do segmento. Indiscutivelmente, a arbitragem vem se estabelecendo como instrumento célere e especializado de solução de conflitos complexos e de índole eminentemente técnica. Não é por outra razão que as grandes disputas do segmento de infraestrutura têm migrado do Judiciário para as câmaras arbitrais. Por isso, o acompanhamento de inovações legislativas e das decisões arbitrais passa a ser um dever de todos os protagonistas do segmento de infraestrutura, como forma de se compreender o que existe e antever o que está por vir.