Decisão do TCU confirma novos caminhos às soluções consensuais no âmbito das concessões

Em operação inédita, o modelo de transferência do controle acionário da Concessionária Rota do Oeste (CRO) foi objeto de exame da Corte de Contas da União.
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Pedro Lucena

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

Levado ao crivo do TCU, o processo de transferência do controle acionário da CRO chamou a atenção não somente pelo fato de que se dá de uma empresa privada para uma companhia estatal, mas também em razão do arranjo jurídico viabilizado a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta. O instrumento permite uma acomodação mais dinâmica e menos burocrática dos interesses em jogo, afastando-se de modelos processuais mais lentos e já consolidados no cenário nacional, a exemplo das relicitações.

Comentário

Compreendendo cerca de 850,9 km de estrada, a BR 163/MT se destaca não somente por ter uma intensa malha rodoviária voltada ao transporte de passageiros, mas também por posicionar o Mato Grosso em colocação relevante dentre os maiores estados exportadores da agropecuária brasileira. Suas vias representam um importante canal de escoamento da região Centro-Oeste, fortemente caracterizada pela produção de commodities agrícolas.

Muito embora a responsabilidade sobre a exploração rodoviária, desde 2014, esteja a cargo da Concessionária Rota do Oeste (CRO), um novo cenário aponta para mudanças significativas na prestação destes serviços.

Referimo-nos aqui ao processo de transferência integral do controle acionário da CRO para a MT Participações e Projetos (MTPAR) _ sociedade de economia mista do Estado do Mato Grosso. Em trâmite perante a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a conclusão da transferência pressupõe a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), formalizado entre a ANTT e a MTPAR, com vistas ao saneamento de irregularidades no âmbito da execução contratual que se acumularam desde o início da operação.

Pretendendo-se obter maior segurança jurídica, o plano foi levado ao crivo do Tribunal de Contas da União (TCU), que se manifestou favoravelmente à viabilidade do desenho proposto, salientando, conforme visto no voto do Ministro Bruno Dantas, o ineditismo do caso. A originalidade, aliás, foi ressaltada (i) tanto em relação aos aspectos da transferência e (ii) quanto em razão dos objetos transacionados a partir do TAC.

A respeito do primeiro ponto, embora a decisão sobre o assunto caiba à ANTT, não passou despercebida ao TCU a intenção manifesta de uma entidade estatal (MTPAR) assumir o comando acionário de uma concessionária privada (CRO). Isso _ e aqui está o fator distintivo elencado pelo Ministro _ sem se negar a realização de investimentos previstos no contrato, cujos níveis atuais de execução são baixíssimos.

Sobre o segundo aspecto, de inequívoca natureza controversa, verificou-se que, de fato, a transação instrumentalizada a partir do TAC consubstancia mudanças relevantes em matérias contratuais sensíveis _ que vão desde obrigações de regularização até a própria matriz de risco da concessão. Por isso, a discussão produzida sobre a pertinência de tais modificações serem, ou não, alheias aos limites do instrumento em detrimento ao uso de expedientes já testados no setor, a exemplo da relicitação.

Ainda assim, ao final, foi acolhido o argumento de que, levando-se em consideração a particularidade da companhia que assumirá o controle da concessão, isto é, uma empresa controlada pelo poder público, sem intuito lucrativo ordinário, então seria possível, sim, a celebração do ajuste por meio de um TAC. Nos termos do voto vencedor, a anuência do tribunal adotou como premissa o “desapego ao formalismo estéril para a adoção de um modelo que se aferra menos ao procedimento e preocupa-se mais com os resultados”.

A base legal condutora do voto foi a prevista na “Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro”, que possibilita a celebração de compromissos para eliminar irregularidades, incertezas jurídicas ou situações contenciosas na aplicação do Direito Público (art. 26). Trata-se, de acordo com a Corte de Contas, de disposição normativa com caráter instrumental genérico, que acolhe o uso do TAC ante a sua tipicidade documental ampla, com maiores margens para eventual definição de estratégia negocial voltada ao interesse público.

Em resumo, entendeu-se que o TAC, enquanto documento de transação, seria um instrumento apto a concretizar a eficiência administrativa exigida na complexa dinâmica de contratos de concessão, mutáveis por natureza, principalmente em razão da peculiaridade do caso analisado que objetiva uma composição de ajustes por entes públicos (ANTT e MTPAR).

Conquanto não se negue as reservas do julgado _ face ao uso do TAC admitido em função da de duas entidades públicas que não almejam lucro em termos particulares, sendo tal aspecto expressamente destacado no acórdão _, é impossível desconsiderar a sua importância.

Isso porque a decisão confirma uma tendência de fortalecimento à ampliação de soluções administrativas consensuais, as quais, como regra, parecem estar mais ajustadas à dinâmica complexa e mutável dos contratos de concessão de serviço público, cujos padrões de atendimento aos usuários exigem resultados cada vez mais eficientes no Brasil contemporâneo.

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