Desistência de relicitação: a decisão do TCU e as condições para sua aplicação 

A interpretação das condições propostas pelo TCU deve considerar os objetivos de viabilização dos projetos e a retomada dos investimentos.
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Aline Lícia Klein

Sócia da área de infraestrutura e regulatório

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Como bastante noticiado recentemente, o Ministério dos Transportes e o Ministério de Portos e Aeroportos apresentaram consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de desistência do processo de relicitação, de modo que seja dado outro desfecho ao contrato de concessão. O cerne da consulta diz respeito à interpretação a ser dada às disposições da Lei n.º 13.448/2017, que preveem a manifestação formal da concessionária da sua intenção de aderir “de maneira irrevogável e irretratável” como condição para apresentação do pedido de relicitação, bem como a efetiva adesão “irrevogável e irretratável” ao processo de relicitação como cláusula essencial do respectivo termo aditivo.

Nos termos do Acórdão n.º 1593/2023 – Plenário, de 02.08.2023, o TCU confirmou que “o caráter irrevogável e irretratável se restringe exclusivamente à declaração formal do contratado (concessionário)”, de modo que podem as partes “convencionarem a desistência da relicitação”. No entanto, o TCU indicou determinadas condições mínimas (15 no total) a serem observadas para o encerramento do processo de relicitação por acordo de vontade entre as partes.

Além de requisitos de ordem mais formal, especialmente quatro deles merecem destaque, como apresentados na sequência.

O primeiro refere-se à formalização de novo termo aditivo para o equacionamento da retomada, em prazo razoável, da contratação original de obrigações de investimento e de níveis de prestação de serviço, mantendo-se a tarifa básica de pedágio oferecida e o valor da outorga, o equilíbrio econômico-financeiro e os princípios norteadores que fundamentaram a matriz de riscos.

Ora, a flexibilização dos investimentos na retomada dos contratos, privilegiando-se a sua antecipação após a sua interrupção por vários anos, é um dos principais objetivos buscados com a repactuação como alternativa à relicitação. Foi expressamente admitida a repactuação dos investimentos previstos, tendo em vista a demanda atualmente observada.

O Acórdão indica a necessidade de manutenção da tarifa básica de pedágio bem como a preservação do equilíbrio econômico-financeiro. Disso decorre que a análise deve partir da tarifa básica de pedágio oferecida no leilão, mas que não estão vedadas alterações dessa tarifa. Por um lado, essa tarifa já passou por diversas alterações, tendo em vista que os contratos de concessão em questão foram firmados há cerca de dez anos. Depois, um dos principais mecanismos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, igualmente assegurada no Acórdão, consiste justamente na alteração da tarifa cobrada dos usuários. E foram diversos os eventos imprevisíveis e extraordinários que impactaram os contratos passíveis de repactuação, alterando a relação de equilíbrio inicialmente estabelecida.

Na versão final do Acórdão, não houve vedação à alteração da matriz de risco do contrato original. Foram admitidas modificações, desde que observados os princípios norteadores que a fundamentaram. Logo, são admitidos ajustes para adequação dos contratos à nova realidade das rodovias.

Outro requisito a ser destacado é a reprogramação de pagamentos de eventuais contribuições devidas ao Poder Concedente, levando em consideração a manutenção do valor presente líquido das outorgas originalmente assumidas. 

O teor da versão final do Acórdão permite compreender que o valor presente líquido das outorgas não é imutável mas, sim, que se deve buscar a sua preservação, sem mudanças significativas. Não são desejadas alterações bruscas mas ajustes poderão ser feitos, de modo a se garantir a viabilidade do projeto.

O terceiro requisito a se ressaltar é a garantia de viabilidade econômica, financeira e operacional de novo termo aditivo ao contrato de concessão vigente. 

Identificamos essa como sendo a principal finalidade das negociações a serem empreendidas. As variáveis do contrato mencionadas nos itens anteriores podem ser alteradas na medida necessária para se garantir a viabilidade do projeto. Afinal, de nada adiantaria repactuar o contrato se o resultado final não propiciar a obtenção de financiamento no volume e momento necessários para a realização dos investimentos previstos.

A viabilidade das novas condições do contrato deverá considerar inclusive a reprogramação de obras, que se pretende que sejam aceleradas nos próximos anos, demandando investimentos significativos das concessionárias.

Por fim, ressaltamos a realização, para os setores ferroviário, rodoviário e aeroportuário, de estudos para demonstrar a vantajosidade de celebrar um novo termo aditivo de readaptação do contrato de concessão vigente em vez de prosseguir com o processo de relicitação.

Um dos principais aspectos a serem demonstrados quanto à vantajosidade diz respeito às tarifas. Mesmo se houver aumento das tarifas atuais, para fins de reequilíbrio, espera-se que sejam em patamar inferior ao que seria previsto numa possível relicitação. Outro ponto fundamental da vantajosidade diz respeito à resposta mais imediata e eficiente ao usuário, em comparação com o prazo demandado para uma nova licitação, de modo a se assegurar a continuidade da prestação do serviço público.

A análise da presença e aplicação das condicionantes propostas pelo TCU será necessariamente um trabalho conjunto, tanto no sentido de envolver os diversos atores institucionais na busca de uma solução consensual quanto por demandar uma leitura harmônica de todas as condicionantes tendo em vista o resultado final buscado nesse processo. Ao final, o resultado das negociações será submetido à Secex Consenso e ao Plenário do TCU.

Os termos relativamente abertos utilizados em diversas condicionantes permitirão a sua análise específica em cada caso concreto, o que será necessário para se buscar a melhor solução. Afinal, os contratos de concessão encontram-se estressados por diversos motivos. Ainda que existam algumas causas comuns, elas não se apresentam com a mesma intensidade em todos os contratos. Será necessário identificar em cada caso quais são as alterações mínimas necessárias para se garantir a viabilidade econômica, financeira e operacional dessa nova etapa da concessão, de modo a se assegurar a sua retomada, que é a principal finalidade dessas tratativas.

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