O Poder Judiciário brasileiro possui vários problemas; no âmbito cível, a execução é certamente o principal deles. O Justiça em Números de 2020, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), demonstra que 55,8% dos processos em trâmite atualmente são referentes à execução __ o verdadeiro gargalo da Justiça brasileira.
Não existe sistema de execução perfeito. Isso porque execução não depende só do processo. Há diversos outros elementos extraprocessuais a conformar a efetividade da execução, desde a dificuldade de rastreio de bens em casos de blindagem patrimonial a até mesmo questões culturais, como a tolerância e consequente falta de constrangimento do mau pagador.
Se de um lado não existe sistema perfeito, de outro, o sistema de execução pode ser melhorado – e há muito o que melhorar no sistema brasileiro. E é aí que entra a desjudicialização.
Hoje, o Juiz cumula duas funções primordiais: dizer o direito (quem tem razão, Autor ou Réu?) e, resolvido o conflito, satisfazer aquele direito que foi declarado. Desjudicializar a execução significa retirar do Poder Judiciário, em grande medida, essa segunda função (a satisfação).
Há diversas razões que justificam um modelo de execução desjudicializada. O primeiro é que a atividade relativa à execução envolve pouco (ou nada) de dizer o direito. É uma atividade de cunho gerencial, burocrático, que se destina, em suma, a buscar bens do devedor, penhorá-los, avaliá-los, expropriá-los e reverter o fruto da expropriação ao credor.
Compartilhando dessa premissa, tramita na Câmara o PL n.º 6.204/2019, o qual cria um modelo de execução desjudicializada concentrada na figura dos agentes de execução – pelo modelo projetado, função a ser desempenhada no âmbito dos tabelionatos de protesto.
O itinerário da execução permaneceria bastante similar ao atual, mas com a substituição do Juiz pelo agente de execução. Dessa forma, a parte interessada apresenta um título executivo (judicial ou extrajudicial) perante o tabelionato, que se encarregará de dar prosseguimento à execução.
Primeiro o agente de execução verifica os pressupostos de recebimento da execução (como a regularidade do título, a liquidez da dívida, a aparente legitimidade do executado, dentre outros pressupostos). Não havendo identificado óbices no primeiro exame, o agente de execução promoverá a citação do executado e, não havendo pagamento voluntário, prosseguirá com os atos executivos.
A participação do Juiz, embora limitada, não deixa de existir. Esta se dá por duas principais vias: o procedimento suscitação de dúvidas e a defesa do Executado.
Pela suscitação de dúvidas, o próprio agente de execução pode provocar o Juiz para sanar dúvida relevante que tenha surgido no procedimento. Pense-se, por exemplo, em um caso de dúvidas acerca da extensão da responsabilidade patrimonial do fiador ou avalista. O Juiz resolve a questão suscitada, sendo a determinação necessariamente acolhida pelo agente de execução.
A outra forma de participação do Juiz – a mais relevante – diz respeito à defesa do Executado. Entendendo ser o caso, poderá o Executado se opor à execução pela via dos embargos, os quais serão apreciados pelo Juiz competente, e não pelo agente de execução. Isso porque o julgamento dos embargos à execução envolve necessariamente o dizer o direito – incumbência privativa do Juiz –, e não a mera tarefa gerencial da execução delegada aos agentes.
O simples fato de retirar a execução de um Judiciário abarrotado de processo naturalmente aumentará a eficácia do procedimento. Mas há, para além disso, a necessidade de se considerar a especialização como fator a aumentar a efetividade dos atos executivos.
A execução é uma atividade de cunho gerencial, mas não por isso menos complexa. São atos que demandam tempo e dedicação. Por isso, a especialização seria tão benéfica. Quem é especialista na tarefa naturalmente a realiza de forma mais eficiente (dispendendo menos tempo e recursos).
Não faz qualquer sentido atribuir a um Juiz, um funcionário público extremamente caro e qualificado para dizer o direito, atividades dessa natureza. Juízes devem se concentrar em resolver, de forma adequada, fundamentada e tempestiva, os conflitos a eles submetidos. Sobrecarregar os Juízes com o trabalho gerencial da execução retira o tempo dedicado às efetivas soluções de conflitos e, com isso, depõe contra a qualidade das decisões. Por isso, a desjudicialização é mais do que bem-vinda: é necessária.