Diagnósticos de transtornos globais de desenvolvimento e a prescrição de métodos sem evidência científica

O surgimento desenfreado de novos métodos terapêuticos para pessoas com transtornos globais de desenvolvimento fomenta discussão quanto à obrigatoriedade de cobertura pela Operadora de saúde para tratamento sem evidência científica.
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Débora Zanon

Advogada da área de healthcare e life sciences

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Em março de 2023, uma análise do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) destacou o crescente número de diagnósticos de autismo nos Estados Unidos. Os dados de 2020 indicam que uma em cada 36 crianças foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), representando um aumento significativo de 22% em comparação com as estatísticas de 2018. Apesar de não existirem dados oficiais em relação ao Brasil, é possível considerar que os números e proporções sejam semelhantes.

A informação acima é pertinente para demonstrar o aumento expressivo de diagnósticos de transtornos globais de desenvolvimento, cenário que acaba por trazer outro dilema, qual seja, o surgimento quase diário de novos métodos e terapias alternativas prescritas aos pacientes, sem qualquer respaldo na literatura médica.

O Conselho Federal de Medicina emitiu importante parecer (Processo-Consulta CFM n.º 35/13 – Parecer CFM n.º 33/13), a pedido da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a respeito do Projeto de Lei n.º 3/2011, que pretendia instituir terapias e técnicas orientais nas unidades de saúde, no sentido de rechaçar o uso de terapias “alternativas” na prática médica, entre elas citada a musicoterapia, apontando a inexistência de evidências científicas, de benefícios e riscos que poderão trazer à saúde.

A cada dia, novas intervenções surgem, todavia é importante destacar que terapias sem evidências científicas para transtornos globais de desenvolvimento podem não apenas ser ineficazes, mas também representar um risco potencial para o bem-estar das pessoas afetadas por esses transtornos. Os transtornos globais de desenvolvimento, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), são condições complexas que afetam o desenvolvimento neurológico e comportamental.

Alguns pais e cuidadores podem se sentir atraídos por abordagens alternativas que prometem melhorias rápidas e significativas nos sintomas dos transtornos de desenvolvimento. No entanto, é crucial ter em mente que a eficácia dessas terapias deve ser avaliada com base em evidências científicas sólidas e pesquisa clínica.

Ocorre que é possível observar a alta judicialização dessas demandas, nas quais o beneficiário visa a qualquer custo a garantia dessas coberturas. Por vezes, as operadoras de saúde estão sendo obrigadas judicialmente a custear esses tratamentos, sendo desconsiderados os Pareceres Técnicos n.º 25 e n.º 39/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022 emitidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar que abordam sobre a ausência de cobertura obrigatória pelos planos de saúde de terapias não previstas no Rol de procedimentos da ANS, e pior, sendo obrigadas a fornecer tratamento sem qualquer evidência científica.

Importante fazer menção ao Enunciado Sobre Direito da Saúde n.º 105 do CNJ, que evidencia a necessidade de o magistrado observar o plano terapêutico, a justificativa das terapias possíveis a serem aplicadas e laudos atualizados que comprovem a eficácia do tratamento proposto. Assim, forçoso constatar que não deve prevalecer a indicação genérica da eficácia de terapias especiais e métodos não eficazmente comprovados pela ciência médica, bem como a não demonstração de superioridade em relação às terapias convencionais.

A preferência por terapias convencionais muitas vezes se baseia na confiança em métodos que foram submetidos a rigorosos estudos clínicos, revisões por pares, e estão alinhados com as melhores práticas médicas estabelecidas. Por fim, um recente levantamento apresentado no II Congresso do FONAJUS, em novembro de 2023, estima um custo de mais de 1,9 Bi no ano de 2022 na Saúde Suplementar apenas com relação aos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Evidente que o aumento das terapias especiais é um desafio que sabidamente impacta de forma considerável a sustentabilidade financeira dos planos. Dentro desse delicado cenário enfrentado pelos planos de saúde, a presente discussão quanto à concessão de tratamentos que não respeitam a Prática Baseada em Evidência (PBE) é urgente e necessária, justamente para que não venha interferir na qualidade do atendimento oferecido à gama de beneficiários, e, ao mesmo tempo, contribua para evitar um possível colapso do setor.

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