Dispute board nos contratos administrativos

Difundido nos contratos de infraestrutura no Brasil, o Comitê de Resolução de Disputas está contemplado no projeto da nova lei de licitações.
Karina-Yumi-Ogata

Karina Yumi Ogata

Advogada egressa

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Concessões e parcerias público-privadas são contratos complexos que regem uma ampla gama de direitos e obrigações e cuja execução se projeta por longo intervalo de tempo. A diversidade de escopos aliada à característica de longevidade,  tão necessária à amortização dos vultosos investimentos que tais projetos envolvem, tornam esses contratos suscetíveis a vicissitudes ao longo de seu ciclo de vida.

Para dirimir tais conflitos de maneira eficiente, técnica e célere no curso da execução contratual ___ afora a possibilidade de se recorrer aos tradicionais métodos alternativos de resolução de conflitos (notadamente, a arbitragem) ___, a constituição dos dispute boards é instrumento cada vez mais comum no âmbito de tais contratações.

Trata-se de método heterocompositivo e alternativo de prevenção e solução de conflitos decorrentes da execução de grandes obras ou contratos de infraestrutura. Sua aplicação em âmbito nacional teve origem a partir de exigências de instituições internacionais de financiamento, a exemplo do Banco Mundial, como condição à liberação dos recursos.

Em regra, o dispute board é composto por número ímpar de membros, formado, usualmente, por especialistas em Direito e Engenharia Civil, que constituem um comitê técnico que auxiliará as partes contratantes a evitarem ou superarem quaisquer conflitos, técnicos ou patrimoniais, que surgirem no âmbito da execução contratual. Este comitê técnico poderá ser instituído no início da execução do contrato, acompanhando a evolução da obra e dos serviços, ou apenas quando surgir o conflito entre as partes, a depender das disposições fixadas pela cláusula contratual de dispute board.

Como exemplo do uso do instituto em projetos de infraestrutura, cite-se o contrato da concessão do Hospital de Subúrbio, na Bahia, no qual o comitê técnico tem a função de solucionar divergências de natureza técnica e econômico-financeira do contrato.

Além desse, outros contratos administrativos preveem a utilização do dispute board  como, por exemplo, a concessão do Aeroporto Regional da Zona da Mata, em Minas Gerais, e a concessão do Complexo Penal da região metropolitana de Belo Horizonte.

Embora comum a previsão desses comitês, em especial nos contratos administrativos de obras públicas, inexiste legislação geral sobre o tema.

Pioneiro, o município de São Paulo regulou o instituto por meio da Lei nº 16.873/2018, que prevê a possibilidade de incluir no contrato e edital de contratações continuadas firmadas pela Administração Municipal direta e indireta a previsão de um Comitê de Prevenção e Solução de Disputas para dirimir conflitos atinentes a direitos patrimoniais disponíveis.

O comitê pode se limitar a emitir recomendações, decisões vinculantes ou pode atuar em um regime híbrido, caso em que caberá à parte requerente definir a competência vinculativa ou não do comitê. Segundo a lei municipal, as decisões do comitê, mesmo quando vinculantes, poderão ser submetidas à jurisdição judicial ou arbitral em caso de inconformidade de uma das partes.

Seguindo a linha do município de São Paulo, o tema tem sido tratado no projeto de lei que atualiza o marco legal das Licitações e Contratos Administrativos (PL 1.292/1995). Esse projeto de lei, atualmente em trâmite no Senado Federal, possibilita a utilização de meios alternativos de solução de controvérsias nos contratos administrativos, dentre os quais o dispute board, inclusive para a solução de questões referentes ao equilíbrio econômico-financeiro. Apesar de prever o instituto, o PL não engessa o mecanismo, admitindo que diretrizes e procedimentos sejam disciplinados por regulamento ou até mesmo no âmbito dos contratos. No entanto, afastando futuras discussões sobre o tema, é expresso quanto à sua aplicação vinculada a direitos patrimoniais disponíveis.

A previsão dos dispute boards na nova lei geral de licitações trará maior objetividade e segurança jurídica ao uso desse instrumento, afastando discussões acerca de seu alcance no âmbito do regime jurídico de Direito Público, atendendo a anseios do mercado e dando maior conforto aos financiadores. Tal medida permitirá difundir o uso desse instrumento em contratos de todas as instâncias federativas, viabilizando a consolidação das melhores práticas internacionais nos contratos de infraestrutura no Brasil.

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