É penhorável o imóvel adquirido com recurso da venda do bem de família primitivo

Titular do crédito do financiamento imobiliário pode penhorar o imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do bem de família primitivo.
Bruno-Marzullo-Zaroni

Bruno Marzullo Zaroni

Head da área de contencioso e arbitragem

Rafaella de Aragão - Versão Site 1

Rafaella de Aragão

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

O STJ decidiu que a exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do bem primitivo.

Comentário

Com o objetivo de tutelar direitos e garantias fundamentais, o legislador buscou prestigiar o interesse do devedor em detrimento da satisfação executiva do credor em determinadas hipóteses, sendo uma delas a impenhorabilidade do bem de família.

Entretanto, a impenhorabilidade do bem de família não é absoluta e comporta algumas exceções. Nesse contexto, o art. 3º, inciso II, da Lei 8.009/1990, na linha do que preceitua o §1º do art. 833 do Código de Processo Civil – CPC, prevê que a impenhorabilidade não é oponível ao “titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”.

Em outras palavras, é possível a penhora do bem de família para satisfação de dívida contraída para a construção ou aquisição do próprio bem. De fato, não poderia o executado buscar conservar a propriedade do bem sem o respectivo pagamento, utilizando-se da impenhorabilidade para obstar os atos expropriatórios para a satisfação do crédito do financiador. Admitir esta possibilidade seria o equivalente a premiar o devedor inadimplente, o que não é possível.

Uma questão surge a respeito desse tema:  a exceção à proteção do bem de família prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele?

Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.935.842/PR, enfrentou essa questão. A resposta foi positiva.

Na origem, o Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR firmou o entendimento de que seria possível a penhora do imóvel da executada, uma vez que, não obstante a comprovação de que aquele era o seu único bem e que ali residia com a sua filha, “tendo sido adquirido com o resultado da venda do primeiro, as possibilidades de penhora do primeiro imóvel acompanham o novo, pelo princípio da sub-rogação. Sendo, portanto, aplicável a exceção do inciso II, do art. 3º, da Lei 8.009/90 também a este imóvel”.

Quando do julgamento do Recurso Especial, interposto pela executada em face da decisão acima indicada, a Min. Relatora Nancy Andrighi destacou, na linha do que entendeu o TJPR, que “Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à referida exceção”.

De acordo com a Relatora, não pode o devedor adquirir novo imóvel para sua moradia com os recursos provenientes da venda de bem de família anterior para, posteriormente, se furtar ao adimplemento da dívida contraída com a compra do primeiro. Afinal, entendimento diverso implicaria admitir que alguém pudesse contrair obrigações para construir ou adquirir o seu imóvel residencial, furtar-se ao cumprimento de tais obrigações, e ainda arguir a impenhorabilidade desse mesmo imóvel por se tratar de bem de família. Não é o caso. 

Ainda advertiu a Min. Nancy Andrighi que “Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei n.º 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele”. Ao fim, concluiu a Relatora que não é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel.

Com base nessas razões, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, deu parcial provimento ao Recurso Especial para determinar o retorno dos autos à origem a fim de aferir, por meio das provas presentes nos autos, se o imóvel cuja penhora se discutia foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família primitivo.

Nesse contexto, dois cenários podem ser, desde já, antecipados. Se, de um lado, restar comprovado que o novo imóvel foi adquirido com os preventos da venda do bem de família original, será possível a sua penhora para satisfação de dívida contraída para a construção ou aquisição deste. Se, de outro lado, não restar comprovada a hipótese, o novo imóvel será protegido pela impenhorabilidade do bem de família e não poderá ser executado para pagar a dívida contraída com o primeiro.

A decisão terá grande impacto no âmbito dos processos executivos movidos por titulares de crédito de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, sobretudo agentes financeiros, que devem ter o cuidado de reunir provas com vistas a possibilitar a penhora do novo bem de família adquirido à custa da concessão do financiamento anterior.

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