Empregados rodoviários: o empregador pode exigir que o colaborador faça exames toxicológicos?

A possibilidade de exigência de exames toxicológicos depende do risco da atividade executada pelo empregado.
Geovana-de-Carvalho

Geovana de Carvalho Filho

Advogada da área de direito do trabalho

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Um dos elementos essenciais da relação de emprego (artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) é a “subordinação jurídica” do empregado, efeito da direção da prestação de serviços pelo empregador, que realiza o controle e a supervisão direta sobre o trabalho desenvolvido, determinando a forma de execução das atividades, a jornada a ser cumprida, etc. O elemento da subordinação é reflexo do poder diretivo do empregador, justificado, guardadas as devidas proporções, no fato de ser ele quem assume os riscos da atividade econômica desenvolvida.

No âmbito do trabalho dos empregados rodoviários, dentre as exigências para a continuidade do vínculo empregatício, é comum observar a imposição da realização de exames toxicológicos, sejam eles inaugurais ou finalísticos do contrato, sejam eles periódicos, ao longo da contratação.

Dado esse contexto, questiona-se: pode o empregador vincular esse tipo de exigência? O empregado deve se submeter à realização de tais testes?

O entendimento jurisprudencial majoritário na esfera trabalhista é de que referidos exames somente podem ser exigidos em atividades consideradas “de risco” ou, ainda, quando houver expressa previsão legal nesse sentido. A atividade de motorista, por exemplo, se amolda a ambas as hipóteses.

A Lei do Motorista (Lei nº 13.103/2015) acrescentou à CLT a previsão de que é um dever do motorista profissional empregado “submeter-se a exames toxicológicos com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias” (art. 235-B, VII, CLT). Também está expressamente consignado em lei que “serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional” (art. 168, § 6º, CLT).

Portanto, quanto ao motorista, não há maiores dúvidas sobre a possibilidade e, até mesmo, obrigatoriedade, de se exigir exames toxicológicos. As justificativas para tanto não se reservam à previsão desta condição em lei. Certo é que a profissão do motorista lhe exige constante foco e concentração, e o uso de substâncias psicoativas expõe o trabalhador e aqueles ao seu redor a riscos consideráveis de acidentes. Tratando-se, assim, de uma atividade de risco, em tese, o colaborador não pode se negar a esses testes, cuja finalidade precípua é a garantia da segurança laboral.

Caso se revele um cenário toxicológico que possa prejudicar o desempenho da função, poderá o empregador proceder à aplicação de penalidades disciplinares, tais como advertência, suspensão e, até mesmo, a dispensa por justa causa (art. 482, ‘b’ e ‘f’, CLT), a depender do risco efetivo gerado pela conduta do empregado.

Todavia, neste ponto, há importantes ressalvas a serem feitas. A própria Lei do Motorista, no dispositivo que trata dos exames toxicológicos admissionais e demissionais (art. 168), vincula que o empregado tem o direito à contraprova em caso de resultado positivo, assegurando, ainda, a confidencialidade dos resultados. Isto posto, sendo constatado em teste o uso de substâncias psicoativas, é fundamental possibilitar ao colaborador a realização de um novo exame de confirmação do resultado, antes de proceder a qualquer penalização equivocada. Do mesmo modo, todas as informações obtidas em tais exames devem ser mantidas sob sigilo pelo empregador, já que são entendidas como dados pessoais sensíveis do empregado (art. 5º, II, LGPD – Lei nº 13.709/2018).

É necessário especial tratamento, ainda, nos casos em que o uso de substâncias psicoativas fizer parte de uma prescrição médica, desde que tal condição tenha sido previamente comunicada à empresa. Já na hipótese de o uso decorrer de dependência química, a cautela deve ser redobrada. Isto porque a dependência química é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica. Por conseguinte, o empregado não pode ser despedido exclusivamente por sua condição de dependente químico, sob pena de ser interpretada a dispensa como discriminatória, com posterior reversão na Justiça do Trabalho. A alternativa, neste caso, é encaminhá-lo à perícia médica do INSS. Uma vez constatada a doença, o empregado permanecerá em gozo de benefício previdenciário enquanto se der a sua recuperação.

Depreende-se, assim, que os exames toxicológicos poderão ser realizados pelo empregador apenas quando a atividade desenvolvida pelo empregado possa representar um risco para si mesmo ou para os demais ao seu redor, como é o caso do motorista. Trata-se, em última análise, do equilíbrio entre os direitos individuais do empregado, tais como a intimidade e a privacidade, e a proteção da segurança no ambiente de trabalho, um dever do empregador.

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