Fraude à execução afasta impenhorabilidade do único bem de família

Terceira Turma do STJ reconhece a inaplicabilidade da regra de impenhorabilidade do bem de família, trazida pela Lei 8.009/90, uma vez reconhecida fraude na alienação do único imóvel dos executados.

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Síntese

Em sede de julgamento do Recurso Especial nº 1.575.243/DF, ocorrido em 22/03/2018, o Superior Tribunal de Justiça, a partir de uma interpretação conjunta entre o princípio da boa-fé objetiva e o disposto na Lei 8.009/90, consignou pelo afastamento da regra de impenhorabilidade de bem de família, mesmo sendo o único imóvel dos Executados. A alienação do imóvel em favor de parentes caracterizou fraude à execução.

Comentário

Em julgamento unânime, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela manutenção da rejeição aos embargos à adjudicação, opostos pelos Executados, assinalando o não cabimento do instituto da impenhorabilidade de bem de família, relativa a imóvel alienado por estes aos seus parentes.

Consoante previsão do artigo 1º da Lei 8.009/90, o único imóvel residencial da família é impenhorável e não responderá por nenhuma dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses legalmente previstas.

A jurisprudência do STJ por sua vez, estabelece que a impenhorabilidade do bem de família pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, mediante simples petição. As Súmulas 364 e 486 estendem o alcance da garantia legal da impenhorabilidade ao imóvel de pessoas solteiras, separadas e viúvas, e também àquele que esteja locado a terceiros, se a renda obtida for revertida para a subsistência da família.

Contudo, no caso em comento, a Terceira Turma considerou que a conjuntura dos fatos evidenciou a má-fé dos devedores e, ponderando o valor da dívida, livremente assumida pelos devedores e não paga no tempo e modo ajustados, entendeu pelo não acolhimento da tese pretendida.

Conforme voto da relatora Min. Nancy Andrighi: “a legítima defesa, como excludente de ilicitude, reclama a existência de injusta agressão à pessoa ou a seus bens, o que incontestavelmente não se vislumbra na hipótese de execução de dívida livremente assumida pelo devedor e não paga no tempo e modo ajustados. Assim, em conclusão, mesmo que superados os óbices ao conhecimento do recurso especial, a insurgência não prospera quanto ao mérito, devendo ser mantida a sentença de rejeição dos embargos à adjudicação”.

Os principais fundamentos jurídicos utilizados para se chegar a esta conclusão consistiram em uma análise conjunta da boa-fé objetiva – que deve incidir em todas as relações jurídicas – e o abuso de direito praticado, sendo neste contexto, então, examinada a regra trazida pela Lei 8.009/90, reprimindo-se atos praticados no intuito de fraudar credores, como ocorrido no caso em tela.

No acórdão, a Ministra ainda afirma que a garantia visa a resguardar o patrimônio mínimo da pessoa humana, valor esse que o legislador optou por preservar em contraposição à satisfação executiva do credor: “Essa proteção é fruto do movimento pela despatrimonialização do Direito Civil, que impõe uma releitura dos institutos à luz do feixe axiológico trazido pela Constituição Federal”.

Asseverou também o entendimento consolidado na Corte, no sentido de que a caracterização da fraude à execução enseja o afastamento da impenhorabilidade sobre o bem de família: “Com efeito, um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico pátrio é o da boa-fé objetiva, que, além de incidir em todas as relações jurídicas, constitui diretriz interpretativa para as normas de nosso sistema. É nesse contexto que deve ser examinada a regra de impenhorabilidade do bem de família trazida pela Lei 8.009/90, tendo como determinante a boa-fé do devedor para que possa se socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores”.

Assim, concluiu, reconhecida a fraude à execução na alienação do imóvel, torna-se ineficaz a norma de proteção do bem de família, não havendo que se falar em “legítima defesa da propriedade”, mantendo a decisão que rejeitou os embargos à adjudicação e, consequentemente, afastando a arguição de impenhorabilidade do bem de família.

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