Imprevistos na estrada: de quem é a responsabilidade?

Na ocorrência de acidentes, a concessionária só pode ser responsabilizada caso tenha falhado na prestação de seus serviços, de forma determinante para o desfecho calamitoso.
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Dayana Dallabrida

Head da área de contratos empresariais

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Lucas Domakoski Cordeiro

Advogado da área de contratos empresariais

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Como amplamente conhecido, o Brasil é – lamentavelmente – um dos países com mais acidentes de trânsito no mundo. Segundo estudo recente divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para além de todos os prejuízos emocionais e sociais enfrentados pelos indivíduos envolvidos em tragédias no trânsito, no Brasil tem-se também um custo anual de aproximadamente R$ 220 bilhões com as despesas decorrentes destes acidentes, englobando-se aí, majoritariamente, os custos com saúde. Adicionalmente, de acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, em 2014 ocorreram 167.247 acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras, gerando custos de aproximadamente 13 bilhões de reais entre perdas humanas, de saúde e materiais.

Este macabro contexto, que resulta da soma de muitos fatores, tais como imprudência, ausência de políticas públicas de educação no trânsito e problemas de infraestrutura, enseja uma série de questionamentos acerca da real responsabilidade pelos acidentes, bem como resulta em centenas de milhares de ações judiciais todos os anos. Nesta seara, e levando-se em consideração a crescente tendência de concessões de rodovias federais e estaduais, cabe, portanto, analisar brevemente sobre quem recai a responsabilidade em caso de infortúnio ocorrido em estradas que são objeto de concessões públicas.

Em geral, nos contratos de concessão de rodovias, e como determinado pelo art. 2º, II, III e IV da Lei nº 8.987/95, a prática usual é, na perspectiva da relação com os usuários, a assunção dos riscos do negócio por parte das concessionárias, tendo em vista que, para além de serem responsáveis pela manutenção da qualidade das vias públicas, estas empresas auferem lucro com a operação de pedágios e o oferecimento de demais serviços inerentes à administração de estradas. Sendo assim, em caso de acidentes, pressupõe-se que haja responsabilidade da concessionária, porém apenas na hipótese de que o serviço por ela prestado tenha sido falho, de forma a ter resultado, direta ou indiretamente, no acidente. Deve haver, assim, clara – e comprovada – conexão entre a prestação defeituosa do serviço e o acidente, inexistindo responsabilidade da empresa se o prejuízo foi causado por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou, ainda, pela ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Trata-se de entendimento amplamente consolidado nos tribunais brasileiros. Como decidido pelo STJ no Recurso Especial nº 1.762.224, julgado em 04/12/2018, em caso de ação de indenização por danos materiais e morais pleiteada contra concessionária que administrava rodovia federal na qual ocorrera acidente fatal, a configuração de responsabilidade da concessionária restaria afastada em  caso  de  culpa  exclusiva  da vítima, de terceiro ou, ainda,  em  caso fortuito ou força maior, tendo em vista que, nessas hipóteses, haverá o rompimento do nexo de causalidade. Na decisão, o ministro Marco Aurelio Bellizze afirmou ainda que embora seja desejado por todos, não há possibilidade de que uma rodovia seja absolutamente segura contra todo e qualquer tipo de acidente, sobretudo quando causado por imprudência ou imperícia de motoristas, como ocorrido na espécie. Assim, mesmo que a rodovia não atendesse amplamente as normas de segurança – o que, no caso concreto, atendia –, trata-se de impossibilidade fática a prevenção contra todo e qualquer tipo de acidente, principalmente quando resultante de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Outro não foi o entendimento do STJ no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.740.892, no qual se consignou que não há falar em responsabilidade da concessionária, ainda que objetiva, se não houve nexo causal entre o evento danoso, acidente automobilístico, e as instalações rodoviárias.

Cabe ressaltar, no entanto, que a concessionária pode ser responsável solidária caso tenha concorrido para a ocorrência do acidente, como verificado no Recurso Especial nº 1.501.216. Neste caso, reafirmando decisão anterior do TRF-4, o STJ decidiu que, mesmo que o motorista causador do acidente tivesse realizado manobra irregular e perigosa, a administradora da rodovia, que se encontrava mal sinalizada, deveria ser responsabilizada solidariamente. Este entendimento prospera inclusive nos casos de acidentes causados por animais na pista, nos quais a concessionária pode ser responsabilizada junto do dono do animal, ou isoladamente, caso tenha falhado com seu dever de cuidado.

Em suma, entende-se que, mesmo diante dos riscos assumidos no contrato e das disposições legais que lhe atribuem responsabilidade por acidentes ocorridos nas rodovias que administra, a concessionária não pode ser responsabilizada de forma ilimitada pelos acidentes, principalmente quando a infraestrutura por ela administrada é livre de problemas e especialmente nas situações em que a calamidade se dá em função da ação de terceiros ou da própria vítima. A concessionária não deve, assim, ser enxergada como uma espécie de garantidora universal – afinal, trata-se de tarefa humanamente impossível prevenir todos os tipos de acidentes, devendo recair sobre a empresa apenas a justa medida de suas ações (ou, quando for o caso, inações).

Além disso, é necessário anotar que, no âmbito da relação da concessionária com o Poder Concedente, nem todos os riscos da operação, incluindo acidentes com usuários, são necessariamente alocados à concessionária. É legítimo que, na perspectiva do contrato de concessão, uma parcela desses riscos operacionais seja atribuída ao próprio Poder Concedente. A modelagem do contrato de concessão, enfim, pode conceber uma matriz de riscos nas quais contingências com os usuários seja deslocada ao Poder Concedente, repercutindo, eventualmente, na redução da tarifa de pedágio ao usuário final.

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