Síntese
No âmbito de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná foi concedida medida cautelar por maioria dos membros do Órgão Especial do TJ-PR para suspender a eficácia da Lei Estadual nº. 19.128/17, que autorizava a venda de bebidas alcoólicas nas arenas desportivas paranaenses, até julgamento final de mérito em controle abstrato de constitucionalidade. O entendimento manifestado é que, em matéria de “condomínio legislativo” concorrente, lei estadual não pode transgredir lei federal de caráter geral preexistente.
Comentário
Em recente decisão publicada no mês de março (20/03), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná concedeu medida cautelar para suspender a eficácia da Lei Estadual nº. 19.128/17, que desde setembro do ano passado autorizava a venda e o consumo exclusivamente de cerveja e chope nas arenas desportivas paranaenses.
A decisão, tomada por maioria absoluta (placar de 13 a 9) em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça entendeu, em apertada síntese, que em matéria de competência legislativa concorrente (chamada “condomínio legislativo”) não poderia uma lei estadual suplantar disposição de lei federal, de cunho geral e preexistente, nos termos do artigo 13, incisos V e IX, §1º, da Constituição Estadual.
Para tanto, o Tribunal de Justiça anotou a presença, como requisito da plausibilidade de direito invocado, que o artigo 13-A do Estatuto do Torcedor (Lei Federal nº. 10.671/03) já estabelece a vedação ao porte ou consumo de bebidas alcoólicas, não comportando, assim, competência para a lei estadual questionada dispor contrariamente.
Quanto ao requisito do periculum in mora (perigo da demora), o Tribunal assentou, por meio de relatório da Polícia Militar do Estado do Paraná, que houve diminuição no número de ocorrências policiais nos eventos desportivos após a vedação ao consumo de álcool. Ainda, definiu que não haveria impacto no comércio com o deferimento cautelar, pois a vedação já persiste há mais de nove anos.
Na outra esteira, houve voto minoritário e divergente no sentido de que não há vedação no Estatuto do Torcedor ao consumo de álcool nas arenas desportivas, motivo o bastante para afastar a alegação de que a norma estadual suplementar estaria a confrontar a norma federal geral.
Do exposto, vislumbra-se acerto no entendimento consignado na divergência. É certo que o citado artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, em seu inciso II e numa interpretação literal, não veda o porte ou consumo de bebidas alcoólicas nos eventos desportivos. Isso porque o dispositivo proibitivo em questão disciplina que é condição de acesso e permanência ao torcedor não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas.
Ora, os elementos objetivos que caracterizam a proibição, completando a norma, acompanham as palavras “bebidas ou substâncias proibidas”, levando à conclusão de que assim como não há referência na norma às bebidas alcoólicas, estas não são consideradas proibidas no ordenamento jurídico brasileiro.
Dito isso, a norma estadual, ao contrário do consignado no voto vencedor, veio a suplementar a norma geral federal, atribuindo que bebidas como cerveja e chope – que não são de consumo e comercialização proibidos – são permitidas nos espetáculos desportivos. De igual sorte, não é possível concluir que a cerveja e o chope são bebidas que geram a violência no futebol.
Não obstante, é preciso lembrar que não cabe ao judiciário ou ao intérprete, ainda mais no âmbito da restrição de direitos, dar interpretação extensiva ou ampliativa à norma, sob pena de ocupar o espaço delegado exclusivamente ao legislador.
Já na seara empírica, é cediço que não é a cerveja ou chope vendidos nos estádios os responsáveis pelo aumento nos índices de violência nos estádios. Trata-se de um problema crônico de segurança pública, que deve ser objeto de estudo e repressão pelas autoridades competentes, a começar pelo Ministério Público. Até porque, se a cerveja ou o chope são os propulsores da violência, como explicar a sua venda indiscriminada (e de acesso mais barato) nas portas e arredores das praças desportivas? A limitação ao consumo e venda de cerveja dentro dos estádios ecoa uma falsa segurança e rotula de forma vetusta o setor de entretenimento desportivo no Brasil. Um verdadeiro retrocesso.
A legislação estadual buscou ratificar a mudança que já está ocorrendo em outros estados brasileiros, em sintonia com o que há de comum no entretenimento mundial. Em eventos esportivos no mundo todo como tênis, vôlei, MMA, basquete, beisebol, hóquei, rúgbi, F1, entre outros (inclusive o próprio futebol) comercializa-se e se consome cerveja e até outras bebidas quentes. O cerne do problema não está na venda e consumo, mas sim nos núcleos de violência existentes no futebol brasileiro, aqueles que somente passam a existir dentro do contexto social por meio do agrupamento e da propagação do ódio e da intolerância.
Aliás, importante mencionar que a lei estadual questionada veio também como instrumento de fomento à indústria estadual de cervejas artesanais, ao exigir que pelo menos 20% da comercialização nos estádios seja de fabricação artesanal e oriunda de empresas paranaenses.
A suspensão da eficácia da lei estadual reflete indiretamente em ofensa aos princípios constitucionais de livre iniciativa e concorrência à luz dos organizadores dos eventos desportivos, pois impede que estes comercializem cerveja de maneira formal, controlada, organizada e com recolhimento de tributos, em detrimento do comércio vizinho aos estádios e que em muitas vezes funciona de forma absolutamente informal.
A racionalidade empreendida na decisão, ao crer que a cerveja e o chope são responsáveis pela violência nos estádios, nos leva a refletir se não seria também o caso de proibi-las nos festivais de música, carnaval etc., eventos com grande fluxo de pessoas assim como o futebol. Com todo o respeito, não nos parece ser o caso.
À evidência, conclui-se que a restrição de liberdade na comercialização e no consumo de cervejas e chopes nas Arenas Paranaenses, além de confrontar com os princípios constitucionais da legalidade, livre iniciativa e concorrência, apresenta-se como um instrumento inadequado e ineficaz ao combate da violência no esporte, demonstrando o seu descompasso com a realidade e a evolução do entretenimento esportivo.