Lei que autorizava a venda de cerveja nas arenas desportivas é suspensa no Paraná

Por maioria, Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná suspendeu a venda e consumo de cerveja nos estádios paranaenses.
Paulo-Henrique-Golambiuk

Paulo Henrique Golambiuk

Head da área de direito eleitoral e político

Compartilhe este conteúdo

Síntese

No âmbito de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná foi concedida medida cautelar por maioria dos membros do Órgão Especial do TJ-PR para suspender a eficácia da Lei Estadual nº. 19.128/17, que autorizava a venda de bebidas alcoólicas nas arenas desportivas paranaenses, até julgamento final de mérito em controle abstrato de constitucionalidade. O entendimento manifestado é que, em matéria de “condomínio legislativo” concorrente, lei estadual não pode transgredir lei federal de caráter geral preexistente.

Comentário

Em recente decisão publicada no mês de março (20/03), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná concedeu medida cautelar para suspender a eficácia da Lei Estadual nº. 19.128/17, que desde setembro do ano passado autorizava a venda e o consumo exclusivamente de cerveja e chope nas arenas desportivas paranaenses.

A decisão, tomada por maioria absoluta (placar de 13 a 9) em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça entendeu, em apertada síntese, que em matéria de competência legislativa concorrente (chamada “condomínio legislativo”) não poderia uma lei estadual suplantar disposição de lei federal, de cunho geral e preexistente, nos termos do artigo 13, incisos V e IX, §1º, da Constituição Estadual.

Para tanto, o Tribunal de Justiça anotou a presença, como requisito da plausibilidade de direito invocado, que o artigo 13-A do Estatuto do Torcedor (Lei Federal nº. 10.671/03) já estabelece a vedação ao porte ou consumo de bebidas alcoólicas, não comportando, assim, competência para a lei estadual questionada dispor contrariamente.

Quanto ao requisito do periculum in mora (perigo da demora), o Tribunal assentou, por meio de relatório da Polícia Militar do Estado do Paraná, que houve diminuição no número de ocorrências policiais nos eventos desportivos após a vedação ao consumo de álcool. Ainda, definiu que não haveria impacto no comércio com o deferimento cautelar, pois a vedação já persiste há mais de nove anos.

Na outra esteira, houve voto minoritário e divergente no sentido de que não há vedação no Estatuto do Torcedor ao consumo de álcool nas arenas desportivas, motivo o bastante para afastar a alegação de que a norma estadual suplementar estaria a confrontar a norma federal geral.

Do exposto, vislumbra-se acerto no entendimento consignado na divergência. É certo que o citado artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, em seu inciso II e numa interpretação literal, não veda o porte ou consumo de bebidas alcoólicas nos eventos desportivos. Isso porque o dispositivo proibitivo em questão disciplina que é condição de acesso e permanência ao torcedor não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas.

Ora, os elementos objetivos que caracterizam a proibição, completando a norma, acompanham as palavras “bebidas ou substâncias proibidas”, levando à conclusão de que assim como não há referência na norma às bebidas alcoólicas, estas não são consideradas proibidas no ordenamento jurídico brasileiro.

Dito isso, a norma estadual, ao contrário do consignado no voto vencedor, veio a suplementar a norma geral federal, atribuindo que bebidas como cerveja e chope – que não são de consumo e comercialização proibidos – são permitidas nos espetáculos desportivos. De igual sorte, não é possível concluir que a cerveja e o chope são bebidas que geram a violência no futebol.

Não obstante, é preciso lembrar que não cabe ao judiciário ou ao intérprete, ainda mais no âmbito da restrição de direitos, dar interpretação extensiva ou ampliativa à norma, sob pena de ocupar o espaço delegado exclusivamente ao legislador.

Já na seara empírica, é cediço que não é a cerveja ou chope vendidos nos estádios os responsáveis pelo aumento nos índices de violência nos estádios. Trata-se de um problema crônico de segurança pública, que deve ser objeto de estudo e repressão pelas autoridades competentes, a começar pelo Ministério Público. Até porque, se a cerveja ou o chope são os propulsores da violência, como explicar a sua venda indiscriminada (e de acesso mais barato) nas portas e arredores das praças desportivas? A limitação ao consumo e venda de cerveja dentro dos estádios ecoa uma falsa segurança e rotula de forma vetusta o setor de entretenimento desportivo no Brasil. Um verdadeiro retrocesso.

A legislação estadual buscou ratificar a mudança que já está ocorrendo em outros estados brasileiros, em sintonia com o que há de comum no entretenimento mundial. Em eventos esportivos no mundo todo como tênis, vôlei, MMA, basquete, beisebol, hóquei, rúgbi, F1, entre outros (inclusive o próprio futebol) comercializa-se e se consome cerveja e até outras bebidas quentes. O cerne do problema não está na venda e consumo, mas sim nos núcleos de violência existentes no futebol brasileiro, aqueles que somente passam a existir dentro do contexto social por meio do agrupamento e da propagação do ódio e da intolerância.

Aliás, importante mencionar que a lei estadual questionada veio também como instrumento de fomento à indústria estadual de cervejas artesanais, ao exigir que pelo menos 20% da comercialização nos estádios seja de fabricação artesanal e oriunda de empresas paranaenses.

A suspensão da eficácia da lei estadual reflete indiretamente em ofensa aos princípios constitucionais de livre iniciativa e concorrência à luz dos organizadores dos eventos desportivos, pois impede que estes comercializem cerveja de maneira formal, controlada, organizada e com recolhimento de tributos, em detrimento do comércio vizinho aos estádios e que em muitas vezes funciona de forma absolutamente informal.

A racionalidade empreendida na decisão, ao crer que a cerveja e o chope são responsáveis pela violência nos estádios, nos leva a refletir se não seria também o caso de proibi-las nos festivais de música, carnaval etc., eventos com grande fluxo de pessoas assim como o futebol. Com todo o respeito, não nos parece ser o caso.

À evidência, conclui-se que a restrição de liberdade na comercialização e no consumo de cervejas e chopes nas Arenas Paranaenses, além de confrontar com os princípios constitucionais da legalidade, livre iniciativa e concorrência, apresenta-se como um instrumento inadequado e ineficaz ao combate da violência no esporte, demonstrando o seu descompasso com a realidade e a evolução do entretenimento esportivo.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.