Limitação x liberdade dos estabelecimentos comerciais na adoção de regras durante a pandemia

Quais exigências para acesso nos estabelecimentos comerciais são consideradas legais em tempos de Covid-19? A partir de que ponto podem ser abusivas?
Lorena

Lorena Fadel Koga

Advogada egressa

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Muito se tem falado acerca do direito constitucional de “ir e vir” em tempos de pandemia, já que não são poucas as medidas restritivas adotadas pelo Estado para salvaguarda de outro direito constitucional: o de proteção à vida. Contudo, pouco se tem analisado situação semelhante, mas, de menor escala, qual seja, a liberdade do indivíduo de ingressar em estabelecimentos comerciais. É que, a partir do momento que há a imposição de regras para adentrar em um local, já não há que se falar em liberdade em seu sentido mais puro e amplo. “Você pode entrar, ‘desde que (…)’”. Pronto! Ausente o livre arbítrio.

Antes mesmo de entrarmos nesse cenário atual, não eram poucos os casos em que se via a limitação do público em certos estabelecimentos comerciais, fosse pelo traje, pelo sexo, pela idade (excluindo-se aqui, evidentemente, os locais em que há proibição legal para entrada de menores), ou, simplesmente, por pré-julgamentos acerca da personalidade do indivíduo.

Em 80% de casos dessa natureza levados ao Judiciário, a limitação foi considerada abusiva, violadora dos direitos da personalidade, capaz de configuração de ato ilícito e, portanto, do dever de indenizar moralmente aquele que fora impedido de exercitar seu livre exercício de locomoção (tradicionalmente quando ocupa a posição de consumidor na relação) como, por exemplo, um cliente impedido de entrar em evento por estar usando chinelos de dedo (TJRS – Proc. nº 71009099110). No restante dos casos, a improcedência dos pedidos se deu (em sua maioria) por, ao ponderar os fatos, o julgador entender que a medida adotada pelo estabelecimento era razoável e condizente com o direito de segurança do local. Exemplo disso é o cliente impedido de entrar em mercado com mochila, a qual deveria ficar no guarda-volumes durante a compra (TJPR – 0002040-67.2017.8.16.0153).

Em todas as situações estudadas, verificou-se a necessidade de o estabelecimento comercial informar previamente o público, de forma clara, acerca de suas regras. Não que isso, em qualquer caso, tornará legal a medida, mas, caso ausente, implicará a sua ilegalidade.

Durante a pandemia, situação absolutamente excepcional, medidas de igual proporção estão sendo adotadas em vários níveis e de formas diferenciadas em cada região do País. É claro que, ao cumprir exigências previstas em leis e decretos, não poderão os estabelecimentos comerciais ser responsabilizados por qualquer medida restritiva, até porque estão sujeitos a penalidades. Por outro lado, não deixa de ser aconselhável que tais medidas, bem como seus fundamentos legais, estejam à vista dos clientes, evitando-se completamente que o estabelecimento fique suscetível a qualquer reclamação.

Mas, “quando” ou “se” faltarem normas específicas ou essas, ainda que existentes, sejam de conteúdo indeterminado? E na hipótese de se encerrar o período previsto em determinado decreto para adoção da medida, porém, perdurar o receio sanitário. Como proceder?

O tema é desafiador, principalmente, em razão de ser essa situação inédita na história recente do País. Por isso, inexistem precedentes a orientar a interpretação e a aplicação do regime jurídico. A solução, provavelmente, passará pela aplicação e ponderação dos princípios constitucionais já mencionados (da liberdade e da vida), bem como com o princípio da razoabilidade. A solução deve se pautar, sobretudo, na mitigação dos riscos de contaminação e propagação da doença.

Importante ter em mente que as medidas restritivas visam ao bem-estar coletivo, o qual deve prevalecer, sobretudo neste momento. Esse fato não autoriza, certamente, que se tire proveito dessa situação (pandemia) para adotar regras extremistas e/ou seletivas, o que dificilmente será admitido na hipótese de o tema ir à apreciação do Judiciário.

A adoção do uso de máscaras, vidros separadores, distanciamento obrigatório entre as pessoas ou limitação da quantidade de indivíduos dentro do local são exemplos de regras que, ainda que não estabelecidas em legislação, não deverão, em geral, ser consideradas abusivas nos tempos atuais. Por outro lado, condicionar o ingresso das pessoas à troca de roupa ou a descalçar os sapatos, por exemplo, ou, ainda, barrá-las por espirrar, podem ser vistas como medidas que ultrapassam o razoável, afrontosas à dignidade da pessoa.

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