Síntese
A segurança jurídica é essencial para atrair investimentos em concessões e PPPs, oferecendo previsibilidade ao setor privado. No Brasil, o setor de infraestrutura enfrenta desafios devido à instabilidade regulatória, como exemplificado pela disputa sobre a concessão da Linha Amarela, no Rio de Janeiro. Em decisão recente, o STF suspendeu a encampação da via, destacando a importância de regras claras para atrair investidores. A decisão final da Corte prestigia a segurança jurídica no país.
Comentário
A segurança jurídica é fundamental para atrair investimentos privados em concessões e parcerias público-privadas. Ela oferece previsibilidade e confiança aos investidores, que passam a ter clareza sobre o retorno de seus investimentos e a optar por viabilizar um empreendimento de longo prazo, tal como os ativos de infraestrutura, que demandam grandes volumes de capital e envolvem prazos extensos de maturação.
No Brasil, porém, há muito tempo se tenta combater a insegurança jurídica nos setores de infraestrutura. Mudanças constantes nas regras regulatórias, interferências políticas e decisões judiciais imprevisíveis afetam diretamente o ambiente de negócios, aumentando o risco percebido pelos investidores e, consequentemente, limitando o volume e a qualidade dos investimentos. Em se tratando do setor rodoviário, um dos casos em que tal insegurança se mostrou mais latente é a encampação, ainda não concretizada, da Linha Amarela do Rio de Janeiro/RJ, que ganhou novo capítulo no início de novembro de 2024, com a confirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, da suspensão da decisão do Superior Tribunal de Justiça, que autorizava o Município carioca a realizar a encampação.
A polêmica envolvendo a operação da Linha Amarela – oficialmente denominada de Autoestrada Engenheiro Carlos Marques Pamplona, uma das principais vias expressas do Rio de Janeiro – não é recente; aliás, remonta ao início da concessão que outorgou à iniciativa privada a exploração do pedágio de trecho daquela via. Atualmente sob administração da LAMSA (Linha Amarela S.A.), o pedágio da concessão Linha Amarela sempre gerou resistência e insatisfação, especialmente de moradores da Zona Norte e Oeste do Rio, que se voltavam, principalmente, contra os valores cobrados.
No entanto, foi na administração de Marcelo Crivella (2017-2020) que as insurgências populares foram capturadas pelo governo municipal e materializadas em medidas concretas contra a concessão. Em 2019, Crivella – que até aquele momento se mostrava favorável às concessões e privatizações setoriais em voga no Rio de Janeiro, mas cuja gestão ficou marcada pela destruição das praças de pedágio da concessionária por tratores municipais – apresentou projeto de lei complementar (que viria a ser aprovado) para autorizar a encampação do Contrato com a LAMSA. A partir da promulgação da Lei Complementar Municipal n.º 213/19 é que começou a judicialização do tema.
Isso ocorreu porque a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) ajuizou ação contra a referida lei, argumentando pela existência de vícios de inconstitucionalidade, relacionados ao direito constitucional de propriedade e do devido processo administrativo para encampação do contrato de concessão, bem como pela afronta às disposições da Lei de Concessões (Lei Federal n.º 8.987/95), que impõe que a indenização ao particular nos casos de encampação ocorra previamente à retomada dos serviços (art. 37).
No âmbito do TJRJ, foram obtidas duas tutelas cautelares favoráveis às teses da ABCR, proferidas, respectivamente, pela presidência da Corte fluminense, em sede de representação de inconstitucionalidade, e por juízo da Fazenda Pública, em procedimento comum. Ambas as decisões suspendiam os efeitos do processo administrativo e da encampação.
O tema só chegou ao crivo do STF após o STJ ter decidido pela ineficácia das mencionadas cautelares em sede de suspensão de liminar. Diante disso, a ABCR ajuizou Reclamação (Rcl. 43697), argumentando que somente o Supremo poderia versar sobre suspensão de matéria que discutia direitos constitucionais de propriedade e de justa indenização. Após ter sido negado seguimento à ação constitucional pelo ministro relator, Luiz Fux, e interposto o agravo regimental pela mesma associação, em 07/11/2024, o STF, enfim, reivindicou a competência constitucional do caso, mantendo a suspensão provisória da decisão reclamada – em outras palavras, mantendo paralisada a encampação da Linha Amarela.
Para além das nuances processuais enfrentadas até aqui, com a assunção da discussão de mérito sobre a suspensão da medida tomada pelo Município do Rio de Janeiro, a Corte Constitucional tem em mãos a oportunidade de firmar posição contundente a respeito da segurança jurídica necessária em projetos de infraestrutura no Brasil. É dizer, a decisão definitiva do STF sobre a encampação da Linha Amarela poderá trazer implicações significativas para o futuro das concessões e parcerias público-privadas no Brasil, demonstrando o compromisso do país com regras claras e previsíveis, essenciais para a atração de investimentos de longo prazo em infraestrutura.