Novidades da Lei de Improbidade ainda dependem de definições do Poder Judiciário

Pensando em um ambiente de imposição de sanções por ato ímprobo mais seguro, a reforma da Lei de Improbidade traz dúvidas quanto a questões relevantes.
Rodrigo-Pavan-De-Valões

Rodrigo Pavan de Valões

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

Compartilhe este conteúdo

Se o objetivo do legislador, ao conceber as regras da Lei n° 14.230/2021, era criar um ambiente de maior segurança para a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa pelo Poder Judiciário, o alvo parece longe de ser alcançado.

As recentes alterações da Lei n.° 8.429/1992 têm o desafio de reduzir a amplitude dos tipos caracterizados como improbidade e afastar discussões complexas como a gradação da culpa grave e a diferenciação entre dolo direto e eventual, dentre outras. A Lei de Improbidade vinha sendo utilizada para fundamentar, por vezes, ações descabidas, como instrumento de persecução ou excesso de punição.

Neste sentido, o grande mérito da reforma foi deixar ainda mais claro que a improbidade é a ilegalidade pelo dolo, pela má-fé; que se busca a repressão do agente corrupto, e não do inábil – frise-se: o Judiciário já tinha esse entendimento, ainda que admitisse a improbidade culposa (culpa grave), até então legalmente prevista. Justamente por isso, o legislador chegou a definir aquilo que se entende por dolo para fins de improbidade: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Não basta a realização do ato; é necessária a busca pelo resultado ilícito.

A reforma, porém, não incorpora todo o entendimento consolidado do Poder Judiciário sobre as questões que circundam a Lei de Improbidade. Há disposições expressamente contrárias à jurisprudência, superando-a. Exemplo disso é a vedação à automaticidade da decretação de indisponibilidade de bens: firmou-se nos tribunais, a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a corrente pela qual, para a decretação da indisponibilidade de bens, o perigo na demora para deferimento da medida seria presumido. Isso tornava o decreto quase automático, sendo rara a oitiva prévia do demandado.

Aliada à presunção de dano, a ausência de revisão periódica da medida cautelar acabava por indisponibilizar o patrimônio do réu por tempo indeterminado – não raro para que a ação, após anos, fosse julgada improcedente.

Em relação à presunção do periculum in mora, a Lei, agora, é taxativa: não se admite presunção de urgência para indisponibilidade. Além disso, fixou que a oitiva do demandado é a regra; a exceção fica por conta de situações em que o contraditório prévio possa frustrar o cumprimento da medida. Cabe ao acusador – o STF suspendeu a eficácia de norma que garantia exclusividade do Ministério Público para propor a ação, garantindo a legitimidade do ente público lesado até julgamento final sobre a constitucionalidade – demonstrar o perigo, assim como nas demais medidas cautelares previstas pelo ordenamento; não há mais espaço para a presunção.

Quanto ao tempo de vigência da medida, o novo regime acaba por fixar-lhe um prazo, enquanto não houver condenação: quatro anos. Distribuída a ação, a condenação deve acontecer dentro do quadriênio. Do contrário, a ação é extinta em virtude da prescrição intercorrente.

Muito se questiona sobre a retroatividade das disposições da Lei 14.230; ou seja, se as novas disposições atingem processos já em curso – até mesmo se processos com sentença já transitada em julgado. A prescrição intercorrente é o centro das atenções. Trata-se de norma de direito material, que atinge diretamente o direito do ente público ao exercício da pretensão – no caso, a pretensão punitiva.

Aplicando-se os princípios do direito administrativo sancionador, como é o caso, e em se tratando de norma de direito material, a retroatividade é imperativa quando a regra nova for mais benéfica ao demandado. Ou seja, o novo regime, seja no que diz respeito à prescrição, seja no que diz respeito aos atos tipificados como improbidade ____ condutas que deixaram de ser consideradas improbidade ____, retroage e deve ser aplicado aos processos em curso.

Não há unanimidade na interpretação e na aplicação das novas disposições da Lei de Improbidade, sendo possível verificar situações idênticas sendo julgadas de maneira distinta.

Atento a isso, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a relevância da discussão e definirá se o novo regime retroage, sobretudo quanto à necessidade de dolo para a configuração da improbidade e à aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente (Tema 1.199). Até que tenhamos uma decisão, seguimos com as dúvidas sobre questões relevantes para o futuro do regime da improbidade, ainda distantes da segurança jurídica pretendida pelo legislador da reforma.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.