O Supremo Tribunal Federal (STF), nas datas de 02 e 09 de agosto de 2018, decidiu o Recurso Extraordinário (RE) 852.475, com Repercussão Geral. A Suprema Corte reconheceu a imprescritibilidade nas ações civis públicas de ressarcimento ao erário no caso de improbidade administrativa na ocorrência de ato doloso. Ficou reconhecida a seguinte tese: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.
O caso era decorrente de um recurso extraordinário, interposto pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), em ação de improbidade administrativa que questionava a participação de um ex-prefeito e outros servidores públicos em supostos danos ao erário na alienação de veículos do Poder Público.
Os fatos apurados ocorreram entre os meses de abril e novembro de 1995. No entanto, a ação civil pública foi ajuizada em julho de 2001. No caso, o MP-SP defendeu a aplicação aos réus de sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.442/1992), bem como ressarcimento de danos pela suposta alienação de bens abaixo do preço de mercado.
O MP-SP compreendia que os pedidos de ressarcimento seriam imprescritíveis, por conta da redação do art. 37, § 5º, da Constituição Federal: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a prescrição da sanção de improbidade e, consequentemente, o pedido de ressarcimento ao erário.
Deste modo, o MP-SP recorreu ao STF para que fosse reconhecida a imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa de ressarcimento por dano ao erário. A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia se manifestado pelo parcial provimento do recurso, a fim de que fosse reconhecida a imprescritibilidade da ação de improbidade administrativa proposta pelo MP-SP na parte relativa ao ressarcimento ao erário.
Na primeira sessão de julgamento, tinha prevalecido o entendimento do Relator, o Ministro Alexandre de Moraes, pelo desprovimento do recurso, no sentido de se admitir que a ação de improbidade administrativa também prescreveria em hipótese de pedido de ressarcimento ao erário. O Relator tinha sido acompanhado, inicialmente, pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Por seu turno, os Ministros Luiz Edson Fachin e Rosa Weber davam provimento ao recurso, reconhecendo a imprescritibilidade do pedido de ressarcimento.
Na retomada do julgamento, na sessão de 08 de agosto de 2018, houve a continuidade, com o voto do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, reconhecendo a prescrição. Já para o Ministro Celso de Mello, deveria prevalecer a compreensão de que a coisa pública é um compromisso fundamental a ser protegido por todos, havendo, assim, a imprescritibilidade. A presidente do STF, a Ministra Cármen Lúcia, votou pela imprescritibilidade.
Por sua vez, na sequência do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso, que havia acompanhado o relator na semana passada, reajustou seu voto e se manifestou pelo provimento parcial do recurso, restringindo, no entanto, a imprescritibilidade às hipóteses de improbidade dolosa. O ministro Luiz Fux, que também já havia seguido o relator, reajustou seu voto nesse sentido.
Assim sendo, integraram a corrente vencida os ministros Alexandre de Moraes (Relator), Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Analisando mais detidamente o impacto da decisão, como o prazo geral de prescrição estabelecido pela Lei nº 8.442/1992 é de 5 (cinco) anos, é muito comum (e continuará sendo) que as entidades legitimadas ingressem com a ação de improbidade somente para a cobrança dos prejuízos ao erário dos atos considerados como ímprobos. Após a prescrição das demais sanções expostas no art. 12, da Lei de Improbidade, somente restaria a possibilidade de cobrança dos valores que supostamente tenham causado prejuízo ao erário.
Acredita-se que o veredito da Suprema Corte trouxe uma maior indefinição às ações de improbidade administrativa. Isso porque é possível se cogitar a existência de ações de ressarcimento em decorrência de atos de improbidade cuja punição está absolutamente prescrita. Ou seja, atos de improbidade que o Estado não poderá mais perseguir a punição. O ressarcimento nada mais é do que a consequência do ato de improbidade, como prescreve o próprio art. 18, da Lei nº 8.442/1992. Portanto, a prescrição deveria ser reconhecida, também, para atos de improbidade dolosos.
A prescrição nada mais é do que uma decorrência direta da inação do titular de uma pretensão jurídica pelo decurso do tempo. Ou seja, o texto da Constituição preconiza que a prescrição é a regra, ao passo que a imprescritibilidade é a exceção. O reconhecimento de imprescritibilidade da ação de improbidade somente para atos de improbidade doloso, em nosso modo de ver, pode prestigiar uma certa inatividade dos mecanismos de controle, o que é absolutamente incompatível com os desígnios do combate à corrupção.
Parafraseando o pensamento de Marcel Proust, os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem. Em outras palavras, é esperado que a resposta jurisdicional venha de maneira tempestiva e dentro dos limites estabelecidos pela legalidade. Isto é, o eventual reconhecimento da prescrição do pedido de ressarcimento de dano ao erário em atos dolosos não prejudicaria o combate à corrupção, somente traria maior segurança jurídica, conferindo um prazo acurado para a atuação do Estado.
Acredita-se que a recente decisão do STF trouxe um quadro de maior insegurança, pois se admite que é possível o pleito de ressarcimento decorrente de atos de improbidade dolosos já prescritos. Isso dificulta sobremaneira o exercício do direito de defesa, já que a averiguação de existência de dolo ou não em atos de improbidade prescritos torna muito mais difícil a tarefa da defesa, ao discutir o dolo (ou não) de atos já prescritos.