Em 24 de fevereiro de 2022 o mundo parou, atento ao conflito entre Rússia e Ucrânia. Vive-se uma verdadeira dicotomia, já que, por um lado, as violações aos direitos humanos e causalidades inerentes à guerra causam intensas preocupações e, por outro, surgem fundados questionamentos sobre os efeitos econômicos negativos gerados aos demais países. No Brasil, as consequências já são sentidas, especialmente por conta das restrições de importação e exportação de insumos.
Conforme dados atualizados sobre comércio internacional do Observatório de Complexidade Econômica (OEC), em 2019, as maiores exportações da Rússia eram petróleo bruto (USD$123B), petróleo refinado (USD$66.2B), gás liquefeito de petróleo (USD$26.3B) e carvão (USD$17.6B). Em 2021, as exportações russas aumentaram em 45,7%, chegando a USD$493.3B, grande parte por conta do aumento da demanda de energia. Hoje, a Rússia é o segundo maior produtor e exportador de petróleo do mundo.
Apesar da relevância comercial da Rússia, tem havido forte movimentação internacional para imposição de sanções àquele país por conta da invasão da Ucrânia. Esta guerra econômica isola a Rússia do mercado global, por meio de medidas como o rebaixamento do seu status comercial, veto a investimentos e importação e interrupção de transações econômicas com bancos russos. Isso impede a importação e exportação de insumos russos, restringindo a disponibilidade de commodities no mercado internacional.
Com isso, há um grande receio de desaquecimento no setor portuário brasileiro. Transportadoras se veem forçadas a encerrar determinadas rotas por complicações políticas. Há um aumento dos custos logísticos e de frete. O próprio embarque e desembarque das mercadorias é afetado. Este efeito dominó da guerra é sentido diretamente na cadeia de fornecimento, chegando até o bolso do consumidor.
Em recente entrevista, o diretor-presidente da Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia, afirmou que “para se ter uma ideia, das quase 11,5 milhões de toneladas importadas de fertilizante no ano passado, cerca de 2,35 milhões, mais de 20%, vêm da Rússia. A preocupação realmente é com a Rússia que, com a guerra, tende a suspender as atividades portuárias e o comércio com os países, principalmente ocidentais”. E se o fluxo do comércio internacional é menor, e o ganho é menor; mas os custos continuam os mesmos.
Neste âmbito, sabendo que as concessionárias que exploram a atividade portuária possuem diversos contratos privados com particulares, e havendo um desaquecimento do setor, quais medidas podem ser adotadas? Se aquela prestação de serviço pelo subcontratado não mais é necessária ou, então, se for necessária a diminuição da carga deste trabalho, é possível que a concessionária reveja a relação negocial? O que pode ser feito para rever e reequilibrar o contrato com o prestador privado? É possível a renegociação ou rescisão contratual?
A subcontratação de terceiros pelas concessionárias de serviço público é de natureza estritamente privada, uma vez que não se está a contratar com a própria Administração Pública. Entretanto, não se desconsidera que o objetivo precípuo desta relação contratual é, justamente, viabilizar a prestação de serviço público. Por este motivo, a depender da situação fática específica, estes contratos podem vir a ter natureza de verdadeiros contratos coligados. De qualquer maneira, em regra, aplicam-se as disposições pertinentes à contratação entre particulares.
Por este motivo o primeiro questionamento a ser feito pela concessionária é: o que determina o contrato firmado com este subcontratado?
Como qualquer outra relação contratual, é usual que instrumentos desta natureza possuam cláusulas de exclusão de responsabilidade em razão de força maior ou caso fortuito. Ou, então, que prevejam hipóteses gerais que permitem o inadimplemento motivado e o adiamento da prestação do serviço sem encargos aos contratantes.
Se isso inexistir, e desconsiderando as hipóteses em que o contrato exclui a possibilidade de rescisão com base nestes argumentos, é possível que as partes se valham das disposições legais gerais que regem as relações privadas. Por exemplo, os instrumentos podem ser revistos com base na teoria da menor onerosidade, utilizando-se da boa-fé contratual. Ainda, as partes podem levantar a função social do contrato ou, então, alegar a exceção do contrato não cumprido.
Neste particular é essencial frisar que, assim como ocorreu ao longo da pandemia, a alegação de força maior que permitiria, em tese, a renegociação e rescisão dos contratos privados não pode se limitar apenas e tão somente ao argumento de que “existe um cenário de calamidade mundial”. Deve haver a demonstração específica e concreta de onerosidade excessiva e necessidade absoluta de renegociação, pautada na imprevisibilidade daquele contexto.
Indo adiante, a concessionária pode se valer das normas internacionais que regulam aspectos diversos do comércio internacional. Em que pese que essas normas, em regra, não vinculem os contratantes (a não ser que exista uma disposição contratual neste sentido), elas são relevantes porque dispõem pormenorizadamente sobre a alocação de riscos, custos e obrigações nas negociações com entes externos.
Por certo que uma conclusão taxativa depende da análise detalhada de cada contrato. Entretanto, considerando a natureza privada dos contratos entre as concessionárias de serviço público e as terceiras subcontratadas, conclui-se que há possibilidade de renegociação, reestruturação ou rescisão contratual por conta das restrições do mercado global. Para tal, as partes devem, antes de mais nada, voltar-se às disposições contratuais específicas, sem deixar de lado as normas nacionais e internacionais aplicáveis.