1. Introdução
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução n.º 2.386/2024, que dispõe sobre diretrizes para a relação entre médicos e a indústria farmacêutica e de insumos e instrumentos médicos. O objetivo da resolução é aumentar a transparência, reduzir as chances de conflitos de interesse e assegurar que as decisões médicas estejam baseadas unicamente em evidências científicas e nas melhores práticas terapêuticas. Inspirada em legislações internacionais, como a Sunshine Act norte-americana, a resolução entrará em vigor em março de 2025, trazendo impactos relevantes no setor.
2. Objetivo da resolução e seu contexto regulatório
A resolução surgiu como uma resposta à demanda crescente por transparência e ética na relação entre médico e a indústria.
O ponto fulcral da regulamentação é assegurar que os médicos promovam a divulgação pública de qualquer vínculo financeiro que possam guardar com empresas do setor da saúde. Essa exigência abarca desde pagamentos diretos até benefícios indiretos e materializa um compromisso do CFM na proteção da autonomia médica e no fortalecimento da confiança pública na prática médica.
O propósito é assegurar que os pacientes e a sociedade tenham ciência de como a prática médica possa estar sofrendo influxos das indústrias da área da saúde.
3. Principais diretrizes
3.1. Divulgação de benefícios financeiros
A partir da resolução, os médicos são obrigados a divulgar quaisquer benefícios financeiros que tenham sido recebidos da indústria farmacêutica ou médica. Isso compreende um leque muito amplo de possibilidades, tais como o recebimento de honorários profissionais, patrocínios para eventos, doações e demais subsídios.
Segundo a resolução, o médico que tiver vínculo com indústrias farmacêuticas ou médicas fica obrigado a informar tais dados, em até 60 dias, contados do recebimento de benefício, em sítio próprio do CRM-Virtual, do Conselho Regional de Medicina a que estiver vinculado.
Tais informações serão divulgadas e eventuais conflitos de interesse serão publicados em plataforma própria do CFM.
Há, contudo, exceções. São excluídos da disciplina contida na resolução a distribuição de amostras grátis de medicamentos e/ou produtos médicos; os rendimentos e dividendos decorrentes de investimentos em ações e/ou cotas de participação em indústrias da área da saúde; e os benefícios recebidos por sociedades científicas e entidades médicas.
3.2 Diretrizes para eventos e publicações
Além da obrigação de revelação supracitada, a resolução impõe restrições sobre a promoção de marcas específicas e produtos durante eventos e atividades públicas. Em resumo, os profissionais não devem empregar palestras, seminários ou publicações para promover diretamente produtos da indústria farmacêutica ou médica, uma vez que tal conduta pode comprometer a independência de suas recomendações. O propósito da regulação é garantir que qualquer decisão terapêutica seja orientada por dados científicos e pelas necessidades do paciente – e não por interesses comerciais.
4. Repercussão para o setor
Como parece claro, a nova resolução afeta diretamente os médicos e a indústria farmacêutica e de insumos e produtos médicos. Se, de um lado, os profissionais deverão reavaliar suas práticas e revelar seus vínculos financeiros; de outro, as empresas do segmento da saúde terão que repensar e adaptar suas estratégias de marketing e patrocínios.
4.1 Reflexões éticas
A resolução é alicerçada nos parâmetros de ética médica e voltada a assegurar a proteção dos interesses do paciente. Ao impor a divulgação de relações financeiras, o CFM busca restringir a interferência da indústria nos atos médicos. Trata-se de um aspecto primordial, sobretudo porque a isenção, a transparência e o rigor técnico representam pilares de sustentação da relação de confiança entre médico e paciente, bem como da eficácia do tratamento.
4.2 Desafios futuros: a adaptação das empresas e dos profissionais da saúde
A resolução exigirá das empresas da área da saúde e dos médicos uma adaptação ao novo ambiente regulatório. As empresas necessitarão rever seus procedimentos de relações públicas e suas políticas de patrocínio, ao passo que os profissionais da saúde deverão observar o cumprimento das exigências de revelação de vínculos. Contudo, para que a regulação atinja suas finalidades, o CFM deverá contar com mecanismos de fiscalização eficientes.
5. Considerações finais
A Resolução n.º 2.386/2024, do CFM, representa um passo adiante em busca de transparência e ética nas relações entre médicos e a indústria da saúde no Brasil. A normativa, que entrará em vigor em março de 2025, introduz desafios e oportunidades para os profissionais e para as empresas do setor.
O alinhamento das condutas profissionais e das políticas empresariais com a resolução exigirá um compromisso com a transparência e com as melhores práticas da profissão, para que se fomente e se consolide uma cultura de responsabilidade e confiança dentro do segmento. Ademais, a implementação da norma exigirá esforços contínuos para fazer valer e preservar a observância de suas diretrizes. Não se desconsidera aqui que a resolução, por carecer de uma maior abrangência e detalhamento, sirva de base para legislações mais abrangentes (tal como a Sunshine Act, no contexto norte-americano), que busquem consolidar e expandir a transparência no setor de saúde.