O marco do legal do saneamento e seus potenciais impactos tributários

Prestadores de serviços de saneamento básico precisam manter-se atentos à regulação promovida.
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Ricardo Kleine

Advogado da área de direito tributário

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Síntese

Em seu artigo 1º, a Lei 14.026/2020 estabelece que a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) tem competência para instituir as normas de referência para a regulação do serviço público de saneamento. Dentre as normas de referência, destacam-se (i) a regulação tarifária dos serviços de saneamento básico, (ii) a padronização de instrumentos negociais da prestação do serviço público de saneamento, (iii) as metas de universalização, e (iv) os critérios para a contabilidade regulatória.

Comentário

Promovendo alterações no marco legal do saneamento básico, a Lei n.º 14.026/2020 acabou trazendo alguns desafios que deverão ser enfrentados ao longo do tempo e a partir das práticas da concessão dos serviços de saneamento básico. Algumas alterações, todavia, chamam bastante a atenção porque podem trazer importantes impactos tributários para o prestador do serviço.

A primeira delas concerne à competência da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) para regular o serviço público de saneamento. Nessa disposição, está contido o poder da Agência para formular o formato de prestação que entenda mais adequado. Tais normas regulatórias geram impacto direto na formação e determinação de despesas com bens e serviços, isso porque tal normatividade acaba apontando, por critério de relevância e essencialidade (conforme definido pelo Tema 779 do STJ), quais itens caracterizam insumos para prestação de serviço de saneamento básico _ com impacto direto na apuração das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Outra consequência relevante desta regulamentação é a definição das despesas necessárias para a dedutibilidade do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), quando a apuração se der pelo regime do lucro real. Desde a reforma, a Agência já editou algumas resoluções que tratam do uso de recursos hídricos, de modo que o impacto deve ser avaliado conforme o caso concreto.

De outro lado, também a regulação tarifária promovida pela ANA gera impacto tributário, pois delineia o lucro tributável, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, bem como define a receita tributável para fins de apuração das contribuições ao PIS e à COFINS. Essa hipótese deve ser estudada caso a caso, a exemplo da Resolução n.º 67/2021, que estabelece tarifas para prestação do serviço água bruta do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.

No que concerne à padronização dos instrumentos negociais entre o titular e o delegatário do serviço público de saneamento básico, este impõe metas e padroniza os riscos, o que significa que são impactadas as indenizações praticadas no setor, com especial ênfase nas compensações de perdas ou nos investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados. Por evidente que um tal regramento pode acarretar mudanças na apuração do IRPJ e da CSLL, especialmente no que diz respeito às indenizações por perda de patrimônio (caracterizadas como danos emergentes) e receitas oriundas da recomposição da equação econômico-financeira do contrato (caracterizadas como lucros cessantes).

Relativamente à competência da ANA para estabelecer critérios para a contabilidade regulatória, cabe anotar que estes podem ser diversos daqueles determinados pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), como nas hipóteses de definição de bens reversíveis enquanto integrantes ou não do ativo imobilizado das concessionárias, e a apuração de saldo negativo na fase pré-operacional. Esta última questão, por exemplo, já foi objeto de debate no setor elétrico, especialmente pela prévia existência de parâmetros contábeis de apuração com reflexo direto na tributação do ICMS, do IRPJ, da CSLL e das contribuições ao PIS e à COFINS. Esta ordem de questões recentemente foi objeto de consideração da ANA quando da edição de resolução com o fito de estabelecer procedimentos e rotinas para avaliação da prestação de contas anuais (Resolução ANA n.º 125/2022). Embora a referida resolução tenha se reportado à utilização dos procedimentos do CPC, dispôs que “A CACG poderá editar manuais acerca dos procedimentos relacionados aos assuntos contidos na presente Resolução”, abrindo margem para que determinações em sentido diverso venham a ser editadas futuramente.

Outro tópico não menos importante é o que diz respeito à definição de metas de universalização. Nesse aspecto, o delineamento de “conteúdos mínimos” de universalização pode gerar, como contrapartida, a concessão de incentivos fiscais que permitam o cumprimento destes mínimos de universalização. Claramente, a fruição de incentivos fiscais setoriais pode também gerar discussões sobre o enquadramento tributário, aptos a aumentar a complexidade tributária do setor.

Por fim, é especialmente relevante que os concessionários se mantenham atentos às mudanças setoriais, inclusive com o acompanhamento de assessoria técnica especializada, que possa verificar os impactos no caso concreto.

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